Blog do Avô

O Primeiro Blogue sobre Corfebol (mas não só) em Portugal!

quinta-feira, março 17, 2005

Capuchinho Vermelho

O miúdo era um puto fixe, estilo o mais urbano possível, aprendiz de rapper e graffitter, alinhava com skaters e outras tribos. Andava sempre de sapatilhas desapertadas, calças largas e sempre, mesmo sempre, um casaco de treino com capuz vermelho em cima do boné. Nos círculos hip-hop chamavam-lhe com carinhoso gozo “MC Little Red Riding Hood”. Nome grande que o enchia de orgulho, tanto quanto tinha no seu casaco com capuz vermelho, que nunca tirava.
Tinha boas notas, não fumava, comia bem. Os amigos, que eram muitos, apesar de alguns serem “esquisitos”, na opinião da família, eram rectos e correctos. No entanto, a mãe via-lhe excesso de energia e achou por bem sugerir-lhe mais uma forma de passar o tempo. “Pode ser que gostes; não custa nada experimentar”.
Fez-lhe um saco de desporto, deu-lhe um panfleto que tinha encontrado na caixa do correio e disse-lhe “Filho, vai lá falar com o Avôzinho a este Pavilhão. Leva-lhe o saco de desporto, com t-shirt, ténis e calções, e vê lá o que é isso do Crófébol. Mas atenção, não vás pela floresta urbana, onde te podes perder no meio de tantas solicitações”. E pensava “Avôzinho... nome estranho para um treinador”.
O puto foi, cheio de boa vontade e entusiasmo, duas características que se cravavam em tudo o que fazia. Mas foi por onde a mãe não queria que fosse. Era mais perto e podia ser que encontrasse a gera, algum mano que quisesse ir com ele ao Pavilhão.
Passou pela Sala de Jogos Lobão. O Sr. Lobo, o dono, perguntou-lhe porque é que não entrava, que tinha uns jogos novos, “Já chegou aquele em que tu és um marine americano e dás cabo dos chinas todos com armas que vais encontrando e ainda tens de salvar os gajos que estão presos”. Que não, que não podia, que ia ao Pavilhão, ter com o treinador Avôzinho, ver o que era um desporto novo. “Parece ser um desporto fixe, Sr. Lobo”.
O homem, para quem o único tipo de desporto que ia tolerando eram as simulações desportivas em videojogos – e mesmo essas achava-as para gente fraca de estômago – ficou com os pêlos todos arrepiados e sentiu a ameaça de desvio da sua clientela para um desses antros de fazer exercício. Não é que o puto do capuz fosse um cliente assíduo, mas tinha muitos amigos e podia meter-lhes na cabeça essas ideias perigosas de que praticar desporto faz bem à saúde.
Deu uma viste de olhos ao papel e traçou um plano. Chegaria mais cedo ao Pavilhão se fosse de carro. Despediu-se do Red Hood e correu para o carro.
Sem suspeitar dos planos maquiavélicos do dono da Sala de Jogos, o rapaz continuou o seu caminho, calmamente, parando aqui e ali para trocar uns “Tá-se” com a malta.
Quando chegou ao Pavilhão, ficou surpreendido. O Corfebol não era nada do que suspeitava. Afinal, era um conjunto de máquinas de videojogos, todas alinhadas ao longo daquilo que deveria ser um recinto de jogo. Havia todos os tipos de jogo, desde aquelas coisas infantis de mandar bolinhas de cores ter com as suas iguais para rebentarem em orgias cromáticas, passando por aqueles em que é suposto dar-se o maior número de pontapé-alto, rasteira, soco-baixo, gravata-com-triplo-mortal, até ver o adversário cair sem misericórdia, passando ainda pelas estranhas personagens que percorrem plataformas apanhando moedas e outras invenções, até aos tiros, aos carros, aos jogos de futebol, de cartas, de atrofio completo das dimensões física, mental e social dos praticantes.
Olhou em volta e viu que não era o único desiludido. Muitos jovens tinham comparecido ao chamamento do tal Avôzinho, que nem sequer lá estava, e vários estavam a virar costas para ir embora, demonstrando que não era bem aquilo que queriam ter descoberto. É verdade que muitos, por resignação ou porque até preferiam assim, tinham ficado agarrados às máquinas. Mas o puto do capuz vermelho estava revoltado. E não era o único. Afinal, o Corfebol era uma fraude, um truque publicitário para uma nova Sala de Jogos.
Foi-se embora. À saída cruzou-se com um pequeno grupo de jovens bem dispostos, saídos de uma carrinha que dizia “Vem Jogar Misto”, e que iam entrar no Pavilhão. Perguntaram-lhe porque se ia embora, se não tinha gostado do Corfebol. O puto explicou o que tinha sentido com o que tinha visto e o semblante dos jovens foi ficando crispado, num misto de estranheza e preocupação.
Entraram. O miúdo foi atrás, reparando que qualquer coisa ali não estava a bater certo. Quando viram em que se tinha transformado o Pavilhão, vasculharam tudo. Descobriram o Avôzinho enfiado e trancado num cacifo. Salvaram-no, quais caçadores de conto infantil, e correram a pontapé com o Sr. Lobo, o responsável por aquela farsa.
Montaram postes, distribuíram bolas e coletes, ofereceram botijas e autocolantes. A miudagem ficou para ver. O Avôzinho deu o treino. No fim, disse que tinha ficado muito contente por ter tanta gente a experimentar o Corfebol, que era normal que alguns pudessem não gostar, mas que já era bom ficarem a conhecer, que haveria outro treino no dia seguinte, que poderiam voltar, que poderiam levar amigos.
No dia seguinte, estavam lá todos, cada um com mais um ou dois amigos. O Little Red Riding Hood não falhou um treino até hoje, sendo capitão da equipa que entretanto se formou.
A Sala de Jogos do Sr. Lobo fechou. Faliu. No mesmo local abriu uma loja chinesa.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Voltei à infância e recostei-me a ouvir uma história contada pelo AVÔ. Não é o meu Avô mas é o NOSSO Avô.
A história é linda, mesmo.

quinta-feira, 17 março, 2005  
Anonymous Anónimo said...

como é bom ouvir as histórias do nosso avôzinho.

não interessa quem és, só interessa é que estás cá, sempre a fantasia os nossos dias corfebolísticos.

sexta-feira, 18 março, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Parabéns pelo Optimismo!
Adorei a estória.
Será que este post nos dá umas leves e subtis dicas para podermos conseguir saber quem é o verdadeiro personagem por de trás do "Avô"? Hmmm
parabéns mais uma vez.

sexta-feira, 18 março, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Faltou a parte das perguntas, que é o clássico do Capuchinho Vermelho.
"Porque é que aquele tipo tem uma arma tão grande?"
"É para matar melhor os maus, meu rapazinho"

segunda-feira, 21 março, 2005  

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