Blog do Avô

O Primeiro Blogue sobre Corfebol (mas não só) em Portugal!

domingo, março 20, 2005

O Patinho Feio

Alcides Pato jogava Andebol. Quer dizer; ele achava que jogava; os colegas achavam que não. Explicando melhor, o Pato era muito mau a jogar Andebol.
Era mau e não gostava. Fazia-lhe confusão que se agarrassem, que se empurrassem, que dessem passos e mais passos, com mudanças de direcção e tudo, rompendo florestas de braços e pernas até conseguirem – das duas uma – ou rematar ou ganhar um livre. Livres atrás de livres. A norma era fazer falta. O agarrar, o empurrar, o fazer gravatas, o esbarrar ostensivamente eram parte do jogo e não excepções. As punições existiam, é verdade, mas eram normais. As regras serviam mesmo para aplicar em catadupa.
Como não gostava, dificilmente lhe apanharia o jeito. Encolhia-se em vez de esbarrar, afastava-se em vez de empurrar, fugia das gravatas em vez de avançar para o golo. Mas ia ficando na equipa porque era o seu grupo. E, a bem da verdade, nunca tinha tido outro.
Porque nunca se tinha dado ao trabalho de procurar.
Um dia foram jogar fora. O Pato estava fresquinho no final do jogo. O treinador não demonstrava grande confiança nas suas capacidades e ficou no banco. Se fosse um pato de verdade, e não só de nome, e já agora se fosse mais pata que pato, dir-se-ia que o Pato estava já perito em chocar ovos, tal era a prática em aquecer com o traseiro a fria madeira dos bancos suecos.
Terminado o encontro, moídos da sova física e de marcador que tinham levado, os colegas do Pato recolheram às cabines (que é como dizem os comentadores desportivos; por mim seria mesmo “foram para o balneário”), em filinha, ritual informal mas sempre repetido, treinador à frente e Alcides no fundo, levando os casacos que os colegas tinham deixado no banco.
Antes de chegar à zona de duches, mesmo ali à saída do recinto de jogo, a vida do Pato mudou. Em contramão, vinha uma outra fila. Vinham alegres, gente gira, raparigas e rapazes juntos. Iam jogar a seguir; só estavam à espera que os do Andebol abandonassem o campo.
O Pato, que não se via como a Formiga no Carreiro, cheirou qualquer coisa de diferente no ambiente daquela fila. Aquela era mais parecida com a sua família. Estava ali o seu grupo. Instintivamente, guiado por uma enebriante sensação, deixou cair os casacos dos colegas de Andebol e seguiu os novos colegas, os do Corfebol, nome que ainda nem conhecia. A treinadora olhou para ele, viu-lhe os olhos brilhantes de expectativa, e perguntou-lhe se queria jogar.
Aqui vamos fazer um parêntesis. O leitor mais pragmático vai já argumentar contra o etéreo desta história. Se o rapaz nunca tinha sequer sabido da existência do Corfebol, ia jogar, assim sem mais nem menos? E qual é a equipa de Corfebol que pode incluir assim um jogador vindo do nada? Não há seguro? Não há inscrição na Federação? Tá-se mesmo a ver – chega alguém com ar faminto de jogar e mete-se logo na equipa, sem sequer falar com os jogadores, não é? E os do Andebol, iam-se embora sem ele? Se o jogo era fora, ele tinha de ir de boleia com alguém, ou dar boleia a alguém, não acham?
Pois é. Mas isto é uma história, o Blogue é meu e, se virem bem, 75% do conteúdo de 90% das histórias infantis é 99% incongruente. Portanto, vamos prosseguir com a história e façam o favor de não me interromper outra vez.
Onde é que íamos?... Ah! A treinadora tinha convidado o Alcides a jogar.
Ele aceitou, adorou e ficou. A família dele, afinal, era mesmo aquela.
Cresceu e tornou-se um lindo ganso... perdão... Cresceu e tornou-se um jogador excelente.
Um dia, foi jogar ao pavilhão onde jogava a sua antiga equipa de Andebol. Era o seu primeiro jogo como internacional Sub-16. Um Portugal – Grã-Bretanha, para preparar ambas as equipas para o Youth Talent Cup. Nas bancadas, os seus ex-colegas, que tinham tido jogo antes e que tinham ficado ali por curiosidade, para ver como é que iam pôr cavalos dentro do pavilhão, ficaram pasmados ao ver o Pato. Confiante, o ex-jogador de Andebol foi o líder da equipa nacional numa vitória histórica sobre os ingleses.
No final, todos aplaudiam de pé a selecção portuguesa. Uns, com um respeito profundo, aplaudiam especificamente um jogador da selecção. E, no íntimo, estremeciam de emoção ao pensar que gostariam de ser como ele.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O Patinho Feio era um cisne e não um ganso.
Ó Avô, devias estar mais atento...

segunda-feira, 21 março, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Ser Pato, Cisne ou Ganso...Mais importante que qualquer questão Shakespeareana!
Espreito por baixo da asa do "animal" e vejo o símbolo da Throttleman?! Será possível??
Sinceramente, this idea never crossed my mind!... Mas como se diz em "consultês", quadra na perfeição!
Ambiente bucólico, este! Gosto!
Sempre me disseram que a qualidade de vida no campo é superior!
Respiro fundo... Paz!

terça-feira, 22 março, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Ontem, na TV, deu um desenho animado do Patinho Feio. Lembrei-me do Avô. Foi tão fixe!
PS, era mesmo cisne mas concordo com o /pv que isso não é o que importa.

quarta-feira, 30 março, 2005  

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