Chulice Nacional
I
Começa hoje o Congresso do Desporto.
“Um Compromisso Nacional”, apregoa-se. Bom, o compromisso foi mesmo da campanha Sócrates, não foi nacional. OK, juntemos-lhe os seus acólitos e já temos mais gente a responder pelo compromisso – todos os boys and girls... E, a bom rigor, podemos pôr os 2.573.869 votantes na onda rosa, que se solidarizaram com todos os compromissos – até o do Congresso do Desporto. É certo que é pouco mais de um quarto da população deste nosso Portugal, mas já dá justiça à apregoada nacionalidade do compromisso.
Cá do meu pulpitozinho, sem assento no Congresso, queria lançar a debate um tema que é do Desporto em geral. Desta vez o Corfebol é apenas uma parcela da minha reflexão, tendo o lugar que tem no quadro de todo o movimento desportivo nacional. E o tema é uma dissertação sobre a forma como o Estado chula o associativismo desportivo, nomeadamente os seus dirigentes.
Pergunta-se frequentemente quanto custa o Desporto em Portugal. Fazem-se contas a subsídios, subvenções, apoios directos ou indirectos. Então e quanto é que o Desporto dá ao Estado?
Não é tema virgem, porquanto várias vozes lançaram já esta questão para o ar. Mas ainda falta um estudo exaustivo, apurado, em forma de auditoria, que acabe de vez com o empirismo e ponha, preto no branco, a realidade que todos julgamos ser inegável.
II
A prática desportiva reduz mesmo o absentismo profissional? Mostrem-me números. Percentagem, dentro de um mesmo grupo demográfico, por categoria profissional, de faltas ao trabalho derivadas a doença, em grupos distintos – para um lado os praticantes de desporto regular; para o outro os praticantes pontuais; para o outro os ex-praticantes; para o último os que nunca fizeram desporto. Todos esperamos que os sedentários tenham índices mais elevados de absentismo. Todos cremos que assim será, mas é o empirismo a imperar, e só com empirismo não chegamos aos altos mandantes, àqueles que organizam o Congresso do Desporto.
Se é verdade, quanto poupa o Estado em baixas médicas, quanto ganha o aparelho produtivo do Estado na maior produtividade, por cada praticante desportivo?
Os desportistas são mesmo mais saudáveis? Consomem menos medicamentos?... Prove-se e mostre-se ao Estado quanto poupa nas comparticipações pelos fármacos e nas estruturas hospitalares.
A prática desportiva reduz mesmo as dependências? Todos temos a noção empírica que os desportistas fumam menos, que entram menos no mundo da toxicodependência. Estude-se, então. Mostrem-me números.
E com esses números diga-se aos senhores lá do alto quanto poupa o Estado em campanhas de prevenção, em Comissões e Comissariados e Conselhos, nas curas clínicas e sociais. Esconda-se, assim num sussurro conspirador, que o tabaco enche de impostos os cofres do Estado.
A prática desportiva tem mesmo uma influência directa na inserção social? Como? De que grupos?... Diz-nos a observação não-científica que há integração de minorias étnicas por via da prática desportiva, particularmente colectiva, que o Desporto promove o surgimento de grupos de pertença, que é uma componente importante na integração de portadores de deficiências diversas.
Se isso for aferido pelos secos e frios números, então diga-se em alta voz o que o sistema desportivo nacional poupa ao Estado na redução de discriminações, na paz social, na redução de marginalidades, criminalidades e outras instabilidades.
E, para que não digam que deixei o Corfebol de fora, uma palavrinha especial para esta modalidade que, sem par, promove aquilo a que a Dra. Maria de Belém Roseira chamou de Equidade, esse valor que até já teve direito a um Ministério.
Já agora, por Equidade, fugindo por momentinhos ao tema, alerto para que o uso dessa palavra associada ao Corfebol ainda vai baralhar mais os incautos, devido à génese num “Equus” que não tem nada a ver com os cavalos mas que pode confundir e atirar-nos ainda mais para uma similitude completamente desajustada com o Horseball.
Aparte à parte, continuemos.
A dimensão desportiva tem paralelo nos índices de auto-estima de uma população? Estude-se; metam-se os Psicólogos Sociais e trabalhar. Em Inglaterra houve já um estudo que comprovou que o sexo é mais frequente quando o clube do varão ganha (“mulher, o meu Charlton deu 3 no Leeds – prepara-te para festa hoje à noite!”), mas para o sexo há sempre estudos.
Então vamos outra vez à produtividade e à diminuição de depressões e à maior receptividade em relação a alterações estruturais. Se Portugal ganhar o Mundial de Futebol (ou se o Benfica for Campeão Europeu), o Sócrates vai poder ir mais longe que a Merkel e acabar com o 12º mês, que ninguém vai notar.
Portugal, destino turístico por excelência, beneficia com a projecção desportiva dos seus protagonistas? Todos pensamos que sim, que quanto mais se fala de nós, melhor para o turismo, e que fala-se muito de nós pela via desportiva. O Cristiano Ronaldo fará mais pelo turismo, assumimos, que todas as campanhas do ICEP.
Aqui, deixem-me fazer mais um parêntesis. Mesmo quando o Cristiano Ronaldo vem a Portugal mostrar o dedo médio e cuspir na cara dos habitantes locais, está a contribuir para que os nossos visitantes mais assíduos continuem a vir cá. É que esses, os camionistas e estivadores da Velha Albion, a seguir a beber cerveja a rodos, apanhar sol em excesso e envolverem-se em brigas tão estúpidas como eles, o que mais gostam é de fazer obscenidades e cuspir para o chão e humilhar os locais. Ah!, e também dizem que vêm cá para engravidar latinas, mas costumam voltar para casa com uma mala cheia de negas e histórias fictícias para contar aos amigos.
Um bocadinho mais a sério – Confirmada a tendência para o turismo ir a reboque dos nossos embaixadores desportivos, lance-se essa informação, em gráficos e quadros, aos altos mandantes.
III
Somados os benefícios, subtraiam-se os custos que o Estado tem com o Desporto e verifique-se (ou não) que ainda sobra muito.
E de onde é que vem esse muito? Dos dirigentes benévolos, digo eu, à laia de resposta.
Quantos milhares de cidadãos do nosso Portugal não abdicam de uma melhor vida profissional, social, familiar, dos seus momentos de ócio, dos seus bens materiais, em prol de uma paixão pelo Desporto ou por alguma entidade do sistema desportivo?
Nos clubes, nas federações, nas agremiações mais diversas, carolas trabalham para o Estado, muitas vezes sem sequer se aperceberem desse facto. Muitos julgam que estão a trabalhar para o clube do coração, mas estão a aumentar o número de benefícios que o Estado tem a baixo custo. São a mão-de-obra mais barata que os governantes podiam arranjar. É a verdadeira Chulice Nacional.
E o que é que pedem em troca?
Reconhecimento. Algo que vá para além de aparecer nos telejornais. Uma palmadinha no ombro, um cartão de Boas Festas, uma palavra de apreço. Um assumir oficial, público e publicado de que todos os pressupostos empíricos que foram enunciados são mesmo verdade.
Mas ainda outro tipo de reconhecimento. O da discriminação positiva. Não se pretende que os benévolos passem a remunerados, nem faria sentido. Reconhecimento nas atribuição de taxas especiais nas várias áreas em que o Estado as impõe aos cidadãos. Reconhecimento no acesso facilitado a vagas académicas ou profissionais da responsabilidade do Estado.
E, para último, a principal forma de reconhecimento. Ao reconhecerem-se os méritos dos dirigentes desportivos, urge dotá-los com as ferramentas para desempenhar o seu trabalho. Se temos gente disposta a trabalhar para um bem que é específico mas não deixa de ser comum, se sabemos que esse trabalho poupa dinheiro ao Estado, então canalizemos verbas para o Desporto. Sim, dinheiro, assim sem rodeios. Podia-se falar em infra-estruturas desportivas, mas estas só se fazem com dinheiro. Podia-se falar em qualidade de recursos humanos, em promoção e imagem, em saúde e segurança, em tudo quanto potencia os benefícios do Desporto, mas tudo isso só se faz com dinheiro.
O problema é que parece que tudo é visto ao contrário. O Estado vê o Desporto como algo garantido. Se houver menos dinheiro, haverá mais esforço dos carolas. Por isso poupa-se no Orçamento sem riscar muito a pintura.
O dirigente benévolo não quer dinheiro para si; quer para o seu trabalho. E isso é como quem diz, “Amigo Estado Português; eu ajudo-te, mas vá lá, dá-me uma mãozinha para que te possa ajudar ainda mais.”
Vá lá. Pensemos o Desporto, sim, neste nosso Compromisso Nacional, mas não o continuemos a fazer em cima das costas corcovadas do dirigismo desportivo.
Começa hoje o Congresso do Desporto.
“Um Compromisso Nacional”, apregoa-se. Bom, o compromisso foi mesmo da campanha Sócrates, não foi nacional. OK, juntemos-lhe os seus acólitos e já temos mais gente a responder pelo compromisso – todos os boys and girls... E, a bom rigor, podemos pôr os 2.573.869 votantes na onda rosa, que se solidarizaram com todos os compromissos – até o do Congresso do Desporto. É certo que é pouco mais de um quarto da população deste nosso Portugal, mas já dá justiça à apregoada nacionalidade do compromisso.
Cá do meu pulpitozinho, sem assento no Congresso, queria lançar a debate um tema que é do Desporto em geral. Desta vez o Corfebol é apenas uma parcela da minha reflexão, tendo o lugar que tem no quadro de todo o movimento desportivo nacional. E o tema é uma dissertação sobre a forma como o Estado chula o associativismo desportivo, nomeadamente os seus dirigentes.
Pergunta-se frequentemente quanto custa o Desporto em Portugal. Fazem-se contas a subsídios, subvenções, apoios directos ou indirectos. Então e quanto é que o Desporto dá ao Estado?
Não é tema virgem, porquanto várias vozes lançaram já esta questão para o ar. Mas ainda falta um estudo exaustivo, apurado, em forma de auditoria, que acabe de vez com o empirismo e ponha, preto no branco, a realidade que todos julgamos ser inegável.
II
A prática desportiva reduz mesmo o absentismo profissional? Mostrem-me números. Percentagem, dentro de um mesmo grupo demográfico, por categoria profissional, de faltas ao trabalho derivadas a doença, em grupos distintos – para um lado os praticantes de desporto regular; para o outro os praticantes pontuais; para o outro os ex-praticantes; para o último os que nunca fizeram desporto. Todos esperamos que os sedentários tenham índices mais elevados de absentismo. Todos cremos que assim será, mas é o empirismo a imperar, e só com empirismo não chegamos aos altos mandantes, àqueles que organizam o Congresso do Desporto.
Se é verdade, quanto poupa o Estado em baixas médicas, quanto ganha o aparelho produtivo do Estado na maior produtividade, por cada praticante desportivo?
Os desportistas são mesmo mais saudáveis? Consomem menos medicamentos?... Prove-se e mostre-se ao Estado quanto poupa nas comparticipações pelos fármacos e nas estruturas hospitalares.
A prática desportiva reduz mesmo as dependências? Todos temos a noção empírica que os desportistas fumam menos, que entram menos no mundo da toxicodependência. Estude-se, então. Mostrem-me números.
E com esses números diga-se aos senhores lá do alto quanto poupa o Estado em campanhas de prevenção, em Comissões e Comissariados e Conselhos, nas curas clínicas e sociais. Esconda-se, assim num sussurro conspirador, que o tabaco enche de impostos os cofres do Estado.
A prática desportiva tem mesmo uma influência directa na inserção social? Como? De que grupos?... Diz-nos a observação não-científica que há integração de minorias étnicas por via da prática desportiva, particularmente colectiva, que o Desporto promove o surgimento de grupos de pertença, que é uma componente importante na integração de portadores de deficiências diversas.
Se isso for aferido pelos secos e frios números, então diga-se em alta voz o que o sistema desportivo nacional poupa ao Estado na redução de discriminações, na paz social, na redução de marginalidades, criminalidades e outras instabilidades.
E, para que não digam que deixei o Corfebol de fora, uma palavrinha especial para esta modalidade que, sem par, promove aquilo a que a Dra. Maria de Belém Roseira chamou de Equidade, esse valor que até já teve direito a um Ministério.
Já agora, por Equidade, fugindo por momentinhos ao tema, alerto para que o uso dessa palavra associada ao Corfebol ainda vai baralhar mais os incautos, devido à génese num “Equus” que não tem nada a ver com os cavalos mas que pode confundir e atirar-nos ainda mais para uma similitude completamente desajustada com o Horseball.
Aparte à parte, continuemos.
A dimensão desportiva tem paralelo nos índices de auto-estima de uma população? Estude-se; metam-se os Psicólogos Sociais e trabalhar. Em Inglaterra houve já um estudo que comprovou que o sexo é mais frequente quando o clube do varão ganha (“mulher, o meu Charlton deu 3 no Leeds – prepara-te para festa hoje à noite!”), mas para o sexo há sempre estudos.
Então vamos outra vez à produtividade e à diminuição de depressões e à maior receptividade em relação a alterações estruturais. Se Portugal ganhar o Mundial de Futebol (ou se o Benfica for Campeão Europeu), o Sócrates vai poder ir mais longe que a Merkel e acabar com o 12º mês, que ninguém vai notar.
Portugal, destino turístico por excelência, beneficia com a projecção desportiva dos seus protagonistas? Todos pensamos que sim, que quanto mais se fala de nós, melhor para o turismo, e que fala-se muito de nós pela via desportiva. O Cristiano Ronaldo fará mais pelo turismo, assumimos, que todas as campanhas do ICEP.
Aqui, deixem-me fazer mais um parêntesis. Mesmo quando o Cristiano Ronaldo vem a Portugal mostrar o dedo médio e cuspir na cara dos habitantes locais, está a contribuir para que os nossos visitantes mais assíduos continuem a vir cá. É que esses, os camionistas e estivadores da Velha Albion, a seguir a beber cerveja a rodos, apanhar sol em excesso e envolverem-se em brigas tão estúpidas como eles, o que mais gostam é de fazer obscenidades e cuspir para o chão e humilhar os locais. Ah!, e também dizem que vêm cá para engravidar latinas, mas costumam voltar para casa com uma mala cheia de negas e histórias fictícias para contar aos amigos.
Um bocadinho mais a sério – Confirmada a tendência para o turismo ir a reboque dos nossos embaixadores desportivos, lance-se essa informação, em gráficos e quadros, aos altos mandantes.
III
Somados os benefícios, subtraiam-se os custos que o Estado tem com o Desporto e verifique-se (ou não) que ainda sobra muito.
E de onde é que vem esse muito? Dos dirigentes benévolos, digo eu, à laia de resposta.
Quantos milhares de cidadãos do nosso Portugal não abdicam de uma melhor vida profissional, social, familiar, dos seus momentos de ócio, dos seus bens materiais, em prol de uma paixão pelo Desporto ou por alguma entidade do sistema desportivo?
Nos clubes, nas federações, nas agremiações mais diversas, carolas trabalham para o Estado, muitas vezes sem sequer se aperceberem desse facto. Muitos julgam que estão a trabalhar para o clube do coração, mas estão a aumentar o número de benefícios que o Estado tem a baixo custo. São a mão-de-obra mais barata que os governantes podiam arranjar. É a verdadeira Chulice Nacional.
E o que é que pedem em troca?
Reconhecimento. Algo que vá para além de aparecer nos telejornais. Uma palmadinha no ombro, um cartão de Boas Festas, uma palavra de apreço. Um assumir oficial, público e publicado de que todos os pressupostos empíricos que foram enunciados são mesmo verdade.
Mas ainda outro tipo de reconhecimento. O da discriminação positiva. Não se pretende que os benévolos passem a remunerados, nem faria sentido. Reconhecimento nas atribuição de taxas especiais nas várias áreas em que o Estado as impõe aos cidadãos. Reconhecimento no acesso facilitado a vagas académicas ou profissionais da responsabilidade do Estado.
E, para último, a principal forma de reconhecimento. Ao reconhecerem-se os méritos dos dirigentes desportivos, urge dotá-los com as ferramentas para desempenhar o seu trabalho. Se temos gente disposta a trabalhar para um bem que é específico mas não deixa de ser comum, se sabemos que esse trabalho poupa dinheiro ao Estado, então canalizemos verbas para o Desporto. Sim, dinheiro, assim sem rodeios. Podia-se falar em infra-estruturas desportivas, mas estas só se fazem com dinheiro. Podia-se falar em qualidade de recursos humanos, em promoção e imagem, em saúde e segurança, em tudo quanto potencia os benefícios do Desporto, mas tudo isso só se faz com dinheiro.
O problema é que parece que tudo é visto ao contrário. O Estado vê o Desporto como algo garantido. Se houver menos dinheiro, haverá mais esforço dos carolas. Por isso poupa-se no Orçamento sem riscar muito a pintura.
O dirigente benévolo não quer dinheiro para si; quer para o seu trabalho. E isso é como quem diz, “Amigo Estado Português; eu ajudo-te, mas vá lá, dá-me uma mãozinha para que te possa ajudar ainda mais.”
Vá lá. Pensemos o Desporto, sim, neste nosso Compromisso Nacional, mas não o continuemos a fazer em cima das costas corcovadas do dirigismo desportivo.
4 Comments:
Bem depois deste comentário, isto deixou de ser um Blog e passa a ser um Bloco....
Apetece-me comentar um pouco este texto que à partida não reconheceria como sendo do avô. Mas para tal antes vou documentar-me melhor pois existem N estudos feitos, sobretudo nos EUA, sobre a panóplia (não sei se é assim que se escreve)de relações e beneficios socio/economico/etc do Desporto.
...
(gostei da tirada do anonymous!)
Não deixem os ingleses ler isto!
Foste muita duro ó Avô.
Muito bem Avô!
As verdades são para ser ditas...e independente da cor politica no poder...isto sempre foi e irá continuar a ser assim...
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