A Sede da FPC
Plano após Plano, Relatório após Relatório, a malta habituou-se a ler, nos Planos, que a FPC quer uma Sede e a saber, nos Relatórios, que a FPC, mais uma outra vez, não teve hipóteses de o conseguir. Redundante a frase, como o é a situação; pleonástica a sentença sobre a repetitiva realidade.
Mas eis que, num dia que não é suposto acoplar à realidade (*), inesperadamente, o Presidente da FPC, um qualquer ou uma qualquer que também não devem ser transpostos para a vida real, foi chamado ao Instituto do Desporto. Estávamos em vésperas de eleições, umas quaisquer, realizadas ou por realizar, que não quero que se tentem identificar.
(*) Servem todas estas advertências para evitar que tentem visualizar a situação, as suas ambiências e vicissitudes. Isto é mais uma história do Avô, mais uma fábula, pois que todos seremos animais à luz do Criador. E posta a explicação, passemos então ao conto, já sem desvios irritantes para advertências chatas.
Dizia-se, então, que estávamos em vésperas de eleições, período fértil em demonstrações de obra, feita ou por fazer. O Presidente da FPC não se lembrou das eleições e só esse lapsus memoriae lhe provocou a surpresa a ouvir o que o seu homólogo do IDP tinha para lhe dizer.
“Vamos dar uma Sede à FPC”. Assim, a seco, de rompão, “vamos dar”, está dado. O nosso Presidente teve ainda uma tontura breve, mentalmente consultou a calendário e viu que o dia 1 de Abril já tinha vindo e se esperava o do ano seguinte, pausou a voz para não lhe sair um basbaque ruído, e lá edificou a compostura do corpo para perguntar quando, onde, quando, como... o duplo quando não foi gralha do autor destas linhas, foi mesmo o Presidente que o disse, sem sequer reparar, tal era o seu estado de agitação interior.
O Presidente do IDP respondeu, sem repetir o quando porque estava bem mais calmo que o do Corfebol, mostrava até um sorriso que irradiava boa disposição. Quando, já dali a duas semanas, ou quinze dias, se preferir por conveniência semântica. Onde, ok, não é num sítio muito in, muito central, mas é algures nos arredores da capital e, mais do que a localização, mais do que o onde, interessa saber que é um edifício moderno, na crista da onda da modernidade, permitiu-se acrescentar o Presidente do IDP. Quanto ao como, são assuntos internos do Instituto, mas aceitemos que houve um zeloso funcionário público, ao serviço do Desporto nacional, que teve uma ideia brilhante, luminosa ao ponto de permitir fazer o bem sem mexer muito na carteira, e logo em ano de eleições!
- E quando é que podemos ver essa Sede, exemplo do ultra-modernismo a baixo custo, Senhor Presidente do IDP?
- Hoje mesmo, se assim o desejar, Senhor Presidente da FPC.
- Hoje seja, então, que algo me corrói cá dentro enquanto não pisar essa Terra Prometida.
- Hoje será. Não o quero corroído no dia da inauguração.
Pelo caminho, que o máximo funcionário público desportivo fez questão de fazer com o máximo representante corfebolístico, fez o do IDP um aviso ao da FPC.
- Olhe, Senhor Presidente, devo avisá-lo de que os materiais ultra-modernos de que é feita a sua futura Sede têm algo de peculiar.
- Sim? Diga, então, Senhor Presidente. Decerto não obstará a que a utilizemos, tal é a nossa premente necessidade.
- Os materiais têm a particularidade de apenas serem vistos e sentidos por aquelas pessoas que tenham um espírito positivo em relação ao Desporto em geral e ao Corfebol em particular. Mas não me parece que isso seja inconveniente, porquanto quem irá utilizar a Sede serão pessoas que decerto encaram a sua modalidade à luz do mais positivo dos espíritos.
- Como é isso, Senhor Presidente?... Nunca de tal material ouvi falar. Não que seja um perito da civil edificação, mas tenho visto algumas obras e visitado alguns armazéns de bricolage...
- Veja por si, Senhor Presidente. Chegámos!
Saídos da viatura, onde o motorista do IDP esperaria com a paciência que lhe davam os euros que recebia, o braço estendido do ofertante não davam margem para enganos – a Sede da FPC era ali.
Ali... onde? O Presidente da FPC só via um baldio, com muito mau aspecto, por sinal, nem sinais de paredes e tectos, nem vestígios de portas e janelas, apenas uma mesinha algures no meio da vegetação rasteira. Olhava para o ar triunfante do seu homólogo, sorriso aberto como que a perguntar “então, gostas?”, e nem ousava revelar que nada via.
Onde é que se viu o Presidente de uma instituição não ter perante esta uma atitude positiva? Não, não podia ser. Lá se iam os subsídios do Estado, lá se iam os votos dos associados, lá se iria a credibilidade do Corfebol se o seu próprio Presidente fosse revelado como alguém que tem um espírito negativo em relação à modalidade que representa.
Decidiu, então, representar. Que sim, que era linda, com um ar muito funcional, que queria espreitar lá dentro, “atrás de si, Senhor Presidente”. Seguiu cuidadosamente o Presidente do IDP, passando as mãos pelas paredes que não sentia, rodando a cabeça para admirar a arquitectura que não via.
O ainda dono da casa parecia movimentar-se bem lá dentro. Pudera!, não é qualquer um que chega a Presidente do Instituto Nacional do Desporto. Tem de se amar o Desporto e todos os seus filhos, incluindo o Corfebol.
Depois de algumas voltas, chegaram ao sítio em que estava a mesinha. O da FPC nem se atreveu a perguntar porque raio não tinham ido a direito. Afinal, tinha acabado de percorrer os corredores da sua nova Sede e nem tinha percebido quantas salas havia.
- Não está mobilada, como pode ver. Pusemos esta mesinha aqui para algum papel que seja preciso assinar ou algum copo que seja preciso poisar.
- Sim. Estava a ver isso. Não se preocupe, nós vamos fazer o recheio necessário. É de facto uma Sede... prodigiosa!
Quinze dias depois, munido de uma planta do local que tinha pedido ao IDP como quem não quer a coisa (“é para meter no convite para a inauguração, ‘tá a ver, Senhor Presidente?, acho que fica giro”), o Presidente da FPC presidia orgulhosamente à inauguração da sua Sede.
Uns dias antes tinha lá ido sozinho, com a planta, para estudar os caminhos. Até fez umas marcas no chão, para ser mais fácil. Só depois foi lá com os seus colegas de Direcção, devidamente advertidos de que iriam ver um material ultra-moderno, com aquelas estranhas características que supostamente lhe eram indiferentes.
- Claro que vocês também não vão perceber isso, não é? Mas olhem que vai ser giro aparecer-nos alguém a dizer que não vê as paredes.
- Claro, Senhor Presidente. Connosco não há dúvidas de termos o melhor dos espíritos face à nossa modalidade. Mas olhe que não posso dizer o mesmo de alguns que têm a mania... que falam, falam...
- Concordo, colega. Veja Senhor Presidente e vejam, senhores colegas, que isto é uma excelente oportunidade para desmascarar alguns parasitas que por aí andam.
Isto e outras considerações de igual ou menos importância diziam, à vez, os vários dirigentes presentes, todos eles fazendo os possíveis por disfarçar o incómodo que lhes causava não ver a nova Sede. A inquietação era geral. “Serei o único? Porque Será? Não posso admitir. Seria desastroso. O que havia o Presidente de pensar de mim? Ele sim, vê decerto a Sede em todo o seu esplendor. Não é qualquer um que chega a Presidente da Federação Portuguesa de Corfebol. Tem de amar o Corfebol e o seu pai, o Desporto.”
Lá puseram umas mesas provisórias e uma cadeiritas e em cima dispuseram os comes e bebes para a inauguração oficial e formal do novo espaço, o orgulho da nação corfebolística. Uma companhia de mudanças havia de lá depositar todo o mobiliário da Sede antiga, a alugada, mas só depois da festa.
E assim, disposto tudo para esse dia, podemos voltar aonde já prematuramente tínhamos estado – ao dia da inauguração.
Este não via a Sede, aquele não via a Sede, o outro a Sede não via. A bem dizer, para poupar teclas e tempo, ninguém a via. Aqui para nós, que ninguém nos lê, nem o Presidente do IDP, que ia assinar o protocolo de cedência de espaço social.
Mas admiti-lo, nem na privacidade de uma conversa conjugal, sussurrada ao ouvido, “Ó esposa, tu vês alguma coisa? Será que não sou digno da modalidade?”. Ouvidos de esposa são para sussurros bem mais agradáveis e todos foram poupados a estas observações, às quais decerto reagiriam com um “Ollha que se tu não és, também eu não o sou, porque tudo o que vejo é um campo aberto e sujo, com umas mesas a meio, cadeiras em volta, sandes de queijo e cocacolas em cima”. Mas estes diálogos, mesmo que em surdina, não aconteceram e todos os presente, compenetrando-se, fizeram o seu papel.
Admitir seria o fim da carreira de todos aqueles dirigentes de clubes, aqueles treinadores, aqueles atletas internacionais, já para não repetir os já falados dirigentes da FPC, o seu Presidente e o Presidente do IDP.
Poderiam admitir todos em uníssono, “Eu não vejo pêva deste edifício!”, mas isso seria altamente improvável, porquanto não estamos num conto do nobelado Saramago. Comparáveis a esta cegueira parcial, aquela célebre cegueira branca que assolou todo um país menos uma mulher de um médico oftalmologista, e também a outra cegueira, também branca mas nos votos, que seria talvez lucidez, só na capital desse país, em que numa sequela da primeira cegueira a mesma mulher acabou morta a tiro e perdoem-me ter revelado o quase-final da história.
Alguns dos presentes tinham medo de estar no meio de uma parede, qual gasparzinho, e era vê-los a tentar ficar o mais ao centro possível, olhando em volta, e se não vislumbravam um olhar admirado ou crítico era porque estavam bem, algures no meio de uma qualquer sala.
A certa altura, um miúdo penetra, dum bairro próximo, a quem tinha cheirado a sandes de queijo e cocacolas, apercebendo-se de que aquilo era uma inauguração de qualquer coisa e que as pessoas fingiam evitar paredes que nem viam, ficou uns minutos e gozar os pratos (o que lhe escondia a fome e o outro, em sentido figurado, que o fazia rir por dentro) e acabou por tomar uma posição. Pôs-se em cima da mesa e gritou, de cabeça virada para um Sol que todos e viam e todos fingiam não ver, “O Rei vai nu!”.
O miúdo enganou-se na história, tudo bem, mas não vou a tempo de recrutar outro, portanto peço um time-out para lhe explicar algumas coisas.
- OK, já percebi – diz o puto – então ouçam-me todos – gritava de cima da mesa, sem que alguém o parasse, tal era o ambiente de tensão que havia entre todos aqueles fingidos.
- Isto é tudo uma farsa – continuava - O zeloso funcionário público que arranjou maneira de fazer uma inauguração em período pré-eleitoral sem lesar o orçamento do Estado enganou-vos a todos e todos estão aqui a fazer figuras ridículas. Ainda se o IDP tivesse oferecido equipamentos novas à Selecção Nacional... Isso sim, eu gostava de ver, eheh.
Por cima dos presentes abateu-se um misto de vergonha e de alívio. A seguir abateu-se algo mais material – chovia copiosamente. E se o discurso do miúdo já tinha sido suficiente para cada um abrir a alma à realidade, aquela chuva foi o golpe de misericórdia. As gravatas molhadas, as mises desfeitas, as sandes de queijo empapadas, as cocacolas aguadas, tudo canalizava à evidência. Agora ninguém podia fingir que estava sob o tecto protector da Sede da FPC. Agora a FPC não podia fingir que estava sob o tecto protector do IDP.
E, por falar nisso, ainda houve alguém que perguntou ao Presidente do IDP quando se resolveria aquele fiasco com a atribuição duma Sede a valer. Ao que este respondeu
- É já a seguir... É que é já a seguir!
Mas eis que, num dia que não é suposto acoplar à realidade (*), inesperadamente, o Presidente da FPC, um qualquer ou uma qualquer que também não devem ser transpostos para a vida real, foi chamado ao Instituto do Desporto. Estávamos em vésperas de eleições, umas quaisquer, realizadas ou por realizar, que não quero que se tentem identificar.
(*) Servem todas estas advertências para evitar que tentem visualizar a situação, as suas ambiências e vicissitudes. Isto é mais uma história do Avô, mais uma fábula, pois que todos seremos animais à luz do Criador. E posta a explicação, passemos então ao conto, já sem desvios irritantes para advertências chatas.
Dizia-se, então, que estávamos em vésperas de eleições, período fértil em demonstrações de obra, feita ou por fazer. O Presidente da FPC não se lembrou das eleições e só esse lapsus memoriae lhe provocou a surpresa a ouvir o que o seu homólogo do IDP tinha para lhe dizer.
“Vamos dar uma Sede à FPC”. Assim, a seco, de rompão, “vamos dar”, está dado. O nosso Presidente teve ainda uma tontura breve, mentalmente consultou a calendário e viu que o dia 1 de Abril já tinha vindo e se esperava o do ano seguinte, pausou a voz para não lhe sair um basbaque ruído, e lá edificou a compostura do corpo para perguntar quando, onde, quando, como... o duplo quando não foi gralha do autor destas linhas, foi mesmo o Presidente que o disse, sem sequer reparar, tal era o seu estado de agitação interior.
O Presidente do IDP respondeu, sem repetir o quando porque estava bem mais calmo que o do Corfebol, mostrava até um sorriso que irradiava boa disposição. Quando, já dali a duas semanas, ou quinze dias, se preferir por conveniência semântica. Onde, ok, não é num sítio muito in, muito central, mas é algures nos arredores da capital e, mais do que a localização, mais do que o onde, interessa saber que é um edifício moderno, na crista da onda da modernidade, permitiu-se acrescentar o Presidente do IDP. Quanto ao como, são assuntos internos do Instituto, mas aceitemos que houve um zeloso funcionário público, ao serviço do Desporto nacional, que teve uma ideia brilhante, luminosa ao ponto de permitir fazer o bem sem mexer muito na carteira, e logo em ano de eleições!
- E quando é que podemos ver essa Sede, exemplo do ultra-modernismo a baixo custo, Senhor Presidente do IDP?
- Hoje mesmo, se assim o desejar, Senhor Presidente da FPC.
- Hoje seja, então, que algo me corrói cá dentro enquanto não pisar essa Terra Prometida.
- Hoje será. Não o quero corroído no dia da inauguração.
Pelo caminho, que o máximo funcionário público desportivo fez questão de fazer com o máximo representante corfebolístico, fez o do IDP um aviso ao da FPC.
- Olhe, Senhor Presidente, devo avisá-lo de que os materiais ultra-modernos de que é feita a sua futura Sede têm algo de peculiar.
- Sim? Diga, então, Senhor Presidente. Decerto não obstará a que a utilizemos, tal é a nossa premente necessidade.
- Os materiais têm a particularidade de apenas serem vistos e sentidos por aquelas pessoas que tenham um espírito positivo em relação ao Desporto em geral e ao Corfebol em particular. Mas não me parece que isso seja inconveniente, porquanto quem irá utilizar a Sede serão pessoas que decerto encaram a sua modalidade à luz do mais positivo dos espíritos.
- Como é isso, Senhor Presidente?... Nunca de tal material ouvi falar. Não que seja um perito da civil edificação, mas tenho visto algumas obras e visitado alguns armazéns de bricolage...
- Veja por si, Senhor Presidente. Chegámos!
Saídos da viatura, onde o motorista do IDP esperaria com a paciência que lhe davam os euros que recebia, o braço estendido do ofertante não davam margem para enganos – a Sede da FPC era ali.
Ali... onde? O Presidente da FPC só via um baldio, com muito mau aspecto, por sinal, nem sinais de paredes e tectos, nem vestígios de portas e janelas, apenas uma mesinha algures no meio da vegetação rasteira. Olhava para o ar triunfante do seu homólogo, sorriso aberto como que a perguntar “então, gostas?”, e nem ousava revelar que nada via.
Onde é que se viu o Presidente de uma instituição não ter perante esta uma atitude positiva? Não, não podia ser. Lá se iam os subsídios do Estado, lá se iam os votos dos associados, lá se iria a credibilidade do Corfebol se o seu próprio Presidente fosse revelado como alguém que tem um espírito negativo em relação à modalidade que representa.
Decidiu, então, representar. Que sim, que era linda, com um ar muito funcional, que queria espreitar lá dentro, “atrás de si, Senhor Presidente”. Seguiu cuidadosamente o Presidente do IDP, passando as mãos pelas paredes que não sentia, rodando a cabeça para admirar a arquitectura que não via.
O ainda dono da casa parecia movimentar-se bem lá dentro. Pudera!, não é qualquer um que chega a Presidente do Instituto Nacional do Desporto. Tem de se amar o Desporto e todos os seus filhos, incluindo o Corfebol.
Depois de algumas voltas, chegaram ao sítio em que estava a mesinha. O da FPC nem se atreveu a perguntar porque raio não tinham ido a direito. Afinal, tinha acabado de percorrer os corredores da sua nova Sede e nem tinha percebido quantas salas havia.
- Não está mobilada, como pode ver. Pusemos esta mesinha aqui para algum papel que seja preciso assinar ou algum copo que seja preciso poisar.
- Sim. Estava a ver isso. Não se preocupe, nós vamos fazer o recheio necessário. É de facto uma Sede... prodigiosa!
Quinze dias depois, munido de uma planta do local que tinha pedido ao IDP como quem não quer a coisa (“é para meter no convite para a inauguração, ‘tá a ver, Senhor Presidente?, acho que fica giro”), o Presidente da FPC presidia orgulhosamente à inauguração da sua Sede.
Uns dias antes tinha lá ido sozinho, com a planta, para estudar os caminhos. Até fez umas marcas no chão, para ser mais fácil. Só depois foi lá com os seus colegas de Direcção, devidamente advertidos de que iriam ver um material ultra-moderno, com aquelas estranhas características que supostamente lhe eram indiferentes.
- Claro que vocês também não vão perceber isso, não é? Mas olhem que vai ser giro aparecer-nos alguém a dizer que não vê as paredes.
- Claro, Senhor Presidente. Connosco não há dúvidas de termos o melhor dos espíritos face à nossa modalidade. Mas olhe que não posso dizer o mesmo de alguns que têm a mania... que falam, falam...
- Concordo, colega. Veja Senhor Presidente e vejam, senhores colegas, que isto é uma excelente oportunidade para desmascarar alguns parasitas que por aí andam.
Isto e outras considerações de igual ou menos importância diziam, à vez, os vários dirigentes presentes, todos eles fazendo os possíveis por disfarçar o incómodo que lhes causava não ver a nova Sede. A inquietação era geral. “Serei o único? Porque Será? Não posso admitir. Seria desastroso. O que havia o Presidente de pensar de mim? Ele sim, vê decerto a Sede em todo o seu esplendor. Não é qualquer um que chega a Presidente da Federação Portuguesa de Corfebol. Tem de amar o Corfebol e o seu pai, o Desporto.”
Lá puseram umas mesas provisórias e uma cadeiritas e em cima dispuseram os comes e bebes para a inauguração oficial e formal do novo espaço, o orgulho da nação corfebolística. Uma companhia de mudanças havia de lá depositar todo o mobiliário da Sede antiga, a alugada, mas só depois da festa.
E assim, disposto tudo para esse dia, podemos voltar aonde já prematuramente tínhamos estado – ao dia da inauguração.
Este não via a Sede, aquele não via a Sede, o outro a Sede não via. A bem dizer, para poupar teclas e tempo, ninguém a via. Aqui para nós, que ninguém nos lê, nem o Presidente do IDP, que ia assinar o protocolo de cedência de espaço social.
Mas admiti-lo, nem na privacidade de uma conversa conjugal, sussurrada ao ouvido, “Ó esposa, tu vês alguma coisa? Será que não sou digno da modalidade?”. Ouvidos de esposa são para sussurros bem mais agradáveis e todos foram poupados a estas observações, às quais decerto reagiriam com um “Ollha que se tu não és, também eu não o sou, porque tudo o que vejo é um campo aberto e sujo, com umas mesas a meio, cadeiras em volta, sandes de queijo e cocacolas em cima”. Mas estes diálogos, mesmo que em surdina, não aconteceram e todos os presente, compenetrando-se, fizeram o seu papel.
Admitir seria o fim da carreira de todos aqueles dirigentes de clubes, aqueles treinadores, aqueles atletas internacionais, já para não repetir os já falados dirigentes da FPC, o seu Presidente e o Presidente do IDP.
Poderiam admitir todos em uníssono, “Eu não vejo pêva deste edifício!”, mas isso seria altamente improvável, porquanto não estamos num conto do nobelado Saramago. Comparáveis a esta cegueira parcial, aquela célebre cegueira branca que assolou todo um país menos uma mulher de um médico oftalmologista, e também a outra cegueira, também branca mas nos votos, que seria talvez lucidez, só na capital desse país, em que numa sequela da primeira cegueira a mesma mulher acabou morta a tiro e perdoem-me ter revelado o quase-final da história.
Alguns dos presentes tinham medo de estar no meio de uma parede, qual gasparzinho, e era vê-los a tentar ficar o mais ao centro possível, olhando em volta, e se não vislumbravam um olhar admirado ou crítico era porque estavam bem, algures no meio de uma qualquer sala.
A certa altura, um miúdo penetra, dum bairro próximo, a quem tinha cheirado a sandes de queijo e cocacolas, apercebendo-se de que aquilo era uma inauguração de qualquer coisa e que as pessoas fingiam evitar paredes que nem viam, ficou uns minutos e gozar os pratos (o que lhe escondia a fome e o outro, em sentido figurado, que o fazia rir por dentro) e acabou por tomar uma posição. Pôs-se em cima da mesa e gritou, de cabeça virada para um Sol que todos e viam e todos fingiam não ver, “O Rei vai nu!”.
O miúdo enganou-se na história, tudo bem, mas não vou a tempo de recrutar outro, portanto peço um time-out para lhe explicar algumas coisas.
- OK, já percebi – diz o puto – então ouçam-me todos – gritava de cima da mesa, sem que alguém o parasse, tal era o ambiente de tensão que havia entre todos aqueles fingidos.
- Isto é tudo uma farsa – continuava - O zeloso funcionário público que arranjou maneira de fazer uma inauguração em período pré-eleitoral sem lesar o orçamento do Estado enganou-vos a todos e todos estão aqui a fazer figuras ridículas. Ainda se o IDP tivesse oferecido equipamentos novas à Selecção Nacional... Isso sim, eu gostava de ver, eheh.
Por cima dos presentes abateu-se um misto de vergonha e de alívio. A seguir abateu-se algo mais material – chovia copiosamente. E se o discurso do miúdo já tinha sido suficiente para cada um abrir a alma à realidade, aquela chuva foi o golpe de misericórdia. As gravatas molhadas, as mises desfeitas, as sandes de queijo empapadas, as cocacolas aguadas, tudo canalizava à evidência. Agora ninguém podia fingir que estava sob o tecto protector da Sede da FPC. Agora a FPC não podia fingir que estava sob o tecto protector do IDP.
E, por falar nisso, ainda houve alguém que perguntou ao Presidente do IDP quando se resolveria aquele fiasco com a atribuição duma Sede a valer. Ao que este respondeu
- É já a seguir... É que é já a seguir!
3 Comments:
Acho um texto um bocado confuso, mas ri-me de vez em quando e isso é bom.
Uma das coisas que tenho admirado em ti, Avô, é a forma como saltas de estilo em estilo. Desde um estilo mais telegráfico, passando por um género mais descritivo, acabando quase invariavelmente por passar por um estilo Saramago a quem, aliás, várias vezes fazes referência. Acho particularmente piada à utilização original que fazes da dupla pontuação. Só que tudo o que é em exagero é demais e acho este texto muito confuso por causa dessas constantes mudanças de estilo.
Também o acho muito extenso, uma vez que a história do Fato Novo do Rei (celebrizada como "O Rei Vai Nú") podia ser contada de uma forma mais curta.
O final, que é outra das coisas que acho que costumam ser muito bem conseguidas, pareceu-me um bocado desajustado.
Outra crítica que te faço é o teres levantado o véu ao final do Ensaio sobre a Lucidez, que é um livro que tem o dom de surpreender os leitores a partir do seu meio. Por acaso já li, mas ficava chateado se ainda o fosse ler.
Continua a escrever. Só escreves para este Blog ou podemos ler-te noutros locais?
Saudações Desportivas e Literárias
É interessante verificar o que faz a "dor de corno"...........
tá fixe
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