Maria, entre o convento e uma vida triste a lavar os pratos de uma madrasta qualquer - porque estas histórias se cruzam todas - optou por emigrar, de mala de cartão em punho, para os arredores de Salzburgo, onde iria trabalhar como preceptora de sete pirralhos, órfãos de mãe e filhos de um Capitão na reserva.
Era uma rapariga singela, bem disposta, nascida em Haia. Parecia-se mais com a Julie Andrews do que com a Floribella, mas isso só acontecia porque de outra forma daria muito nas vistas nos finais de anos 30. De qualquer forma, as histórias eram parecidas, porque estas histórias – sabem? – cruzam-se todas.
Tinha no Coração a Música e o Corfebol. Quanto à primeira, era o chegar das Big Bands à Europa, de Kurt Weill, da Potsdamer Platz. Já o segundo, tinha-lhe entrado o bichinho em 1928, nos Olímpicos de Amsterdão. Adorou ver, experimentou, adorou experimentar, ficou, até ao exílio na Áustria.
A história dos amores de Maria pelos sete filhos do Capitão Von Trapp e depois pelo próprio Capitão himself, é fácil de contar. Basta ver a Floribella, ou a Franny, the Nanny, para perceber. São umas miúdas de origens humildes, que chegam a grandes mansões com uma mão à frente e outra atrás, e que usam as pobres crianças para chegar aos patriarcas, viúvos (menos no caso da florida nortenha, em que o cromo mais velho é irmão e órfão, o que vai dar quase ao mesmo mas que belisca a credibilidade). Depois, se eu fosse ordinário diria que tiram a mão da frente e a de trás e libertam frente e trás para os ricos ingénuos – mas não sou, e direi apenas que acabam por conquistar os donos das mansões e das suas vidas.
Só que esta Maria, para tocar nos corações dos jovens, teve de utilizar algo de que gostava, algo que sabia que eles também gostariam, algo que sabia fazer bem, algo que sabia que eles também iriam saber fazer. Música?... Não; está muito visto. Corfebol!
Os putos eram sete (como os anões – não sei se já disse, mas estas histórias cruzam-se muito), o que dificultava a tarefa. No início ela dava uma perninha. Depois, lá conseguiu convencer o Capitão a jogar também, na altura em que a perninha lhe era dada a ele (isto teria eu acrescentado se fosse ordinário). E, pelos montes verdejantes, corriam todos idilicamente, com grandes sorrisos, atrás de umas K5 (que, na altura, ainda não existiam, mas não fica mal uma pequena liberdade literária) e de uns cestos de verga (porque já seria um exagero de liberdade literária pôr os plásticos amarelos na história). E assim começou a primeira (e última) equipa de Corfebol na Áustria.
Através de contactos que tinha na Haia natal, levou a certa altura uma equipa holandesa para fazer o primeiro jogo de Corfebol no país berço do poderoso Adolfo. Mas sem drama esta história não tinha piada, e o terrível esteve quase para acontecer, se é que não aconteceu mesmo (deixemos algum suspense).
Quando toda a mansão rebentava de excitação por causa do jogo, eis que um mensageiro do novo poder (nota histórica: a Alemanha Nazi tinha tomado conta da Áustria, nas vésperas da 2ª Grande Guerra) vem trazer uma mensagem que deixou pálido o pobre Von Trapp. Queriam-no de volta à Marinha de Guerra.
Não podia ser! Logo agora que tudo parecia correr tão bem – tinha nos braços uma mulher que amava, já sabia lançar na passada com as duas mãos, a filha Gertie tinha largado os charros, o Hans estava a aprender a conduzir, tinham acabado de comprar os equipamentos para o jogo (com saias e tudo, apesar de compridas). Não; não se vergaria à tirania nazi. Iria fugir, com toda a sua família.
Reuniu-se o Conselho Familiar, para ser comunicada a decisão. E instalou-se o drama. Os miúdos não podiam acreditar. Iam perder o jogo? Não! Nunca! O Franz e a Heidi tinham andado a ensaiar o Brazilian para surpreender os holandeses; a pequena Ilga até tinha feito uma bandeira... e a Maria? O que dizer da desalentada Maria, que tanto empenho tinha posto naquela equipa. E foi ela que pôs termo à tensão e rematou a reunião com a sentença “Ainda por cima, se não jogarmos, isto não se vai poder chamar ‘Corfebol no Coração’, porque nem vai ter um joguinho só para amostra. Temos de jogar! Fugimos depois. Vai ser assim como o ‘Fuga para a Vitória’, com o Stallone. Vai ter muito mais emoção. Temos de pensar nas audiências e, se fugirmos simplesmente, o público muda de canal”. Aplaudida a nova mãe dos sete pirralhos, voltou a excitação à casa dos Von Trapp e fez-se o grito da equipa.
Telefonaram ao capitão da equipa holandesa a contar o plano e a pedir ajuda para a fuga. Ele garantiu que toda a equipa colaboraria.
A caminho do relvado (na altura, o Corfebol era outdoor, lembram-se?), que era lá para o meio das Hills que, toda gente sabe, estavam Alive, foram interceptados por uma patrulha que os revistou. No meio das botijas de Isostar havia meias e cuecas. Dentro de uma das bolas, dinheiro, passaportes falsos, bilhetes de comboio. Tudo revelador dos projectos de fuga do Capitão Von Trapp, com a sua Vontrapa e os Vontrapinhos.
Foram presos. Soube-se mais tarde que um dos jogadores holandeses tinha simpatia nazi e os tinha denunciado.
O jogo não se realizou. A vergonha foi grande entre os corfebolistas, responsáveis pela detenção de uma família tão alegre, tão promissora. Foi uma página arrancada dos manuais corfebolísticos e é por isso que ninguém sabia desta história. Até o La Féria omitiu este episódio na sua produção.
E, se ainda hoje perguntam porque é que o Corfebol nunca se iniciou na Áustria, ali tão central, tão perto das grandes potências... that’s why.