Blog do Avô

O Primeiro Blogue sobre Corfebol (mas não só) em Portugal!

terça-feira, dezembro 18, 2007

És Grande!

A afirmação de uma instituição (como o Corfebol) passa muito pela existência de ícones. Ícones num sentido popular e nada peirciano. No sentido de algo que identifica a instituição perante os seus públicos interno e externo.
É comum esses ícones serem algo injustos. Nem sempre reconhecem o racional e optam pelo emotivo. Tem de haver um impacto aos sentidos e esse nem sempre coincide com a lógica racional.
Então quando de pessoas se trata, mais firme é esta ideia. Referi-o há uns tempos, quando falei no Nico Broekhuysen. O Nico é um ícone e não vale a pena mexer-lhe, mesmo que não seja assim tão “Pai” do Corfebol como a história nos conta. O que é certo é que a história oficial é mais apelativa aos sentimentos do que a história revista cientificamente.
É como quanto aos fundadores de pátrias várias. São sempre vistos sob a capa de heroísmos sem fronteiras, escondendo essa capa os seus defeitos e exaltando as suas virtudes, em nome do nacionalismo. Isto vai de Nasser a Lenine, de Bolívar a Júlio César, de Selassié a Ataturk, de Tito a Washington, de Hoxha a Agostinho Neto, de Kim il Sung a Afonso Henriques.
Mas isto é importante para a ligação das pessoas com as instituições, sejam elas países ou outras. O povo precisa de bandeiras, de ícones, de heróis. E sempre que o acaso nos dê de bandeja um herói, temos de sugar o seu potencial até ao tutano.
Agora imaginem um Campeonato do Mundo. Em Bruno (isso de palavras sem vogais é para os checos; aqui é Bruno), lá longe na emergente Europa.
Prestação brilhante dos nossos representantes. Ficámos somente atrás de quem? Da Holanda, que é… a Holanda. Da Bélgica, que só por uma vez lhe viu fugir um lugar na Final de alguma competição oficial para selecções seniores. Da República Checa, que para além de jogar em casa, foi quem conseguiu esse feito único de alguma vez se ter intrometido entre os dois crónicos gloriosos do Corfebol mundial.
Não digo que isto dê para escrever um épico sobre a ida dos lusitanos a Bruno, mas é de se exaltar. Só que agora vem a parte dos ícones, das bandeiras, dos heróis.
Perdida em locais esconsos estava a informação de que tivemos a melhor marcadora da competição. Excelente! Já é uma repetente nestas andanças, mas é sempre de salientar o facto, que deve ser visto com orgulho por quem foi representado por esta atleta. A camisola que ela vestia, apesar de pequena, porque a rapariga veio ao Mundo numa embalagem XS, vestia-nos a todos, corfebolistas portugueses, e todos devemos sentir que cada um dos 17 golos que foi enfiando nos cabazes alheios era um pouco nosso. Os melhores marcadores fomos, também, cada um de nós.
O conceito de melhor marcador é dos tais que se dá uma importância mais iconográfica do que racional. É um indicador que tem a suprema vantagem de ser o mais quantificável de todos. É muito mais difícil traduzir em números qualquer outra acção de jogo e o Golo é sempre o sumo de todos os desportos com bola. Daí que, em todos os que se jogam colectivamente (talvez com excepção do voleibol… e admito que possam existir mais excepções à regra), o melhor marcador seja sempre referenciado e seja um título ambicionado.
Nos primórdios desta aventura que é o Corfebol português, um dos grandes senhores da modalidade, chamado Francisco Gradeço, foi o melhor marcador (ou terá vencido um concurso de lançamentos, ou qualquer coisa assim) de uma Europa Cup. Na altura, o ícone foi espremido de tal forma que aquele jogador era conhecido pelos mais jovens como “o melhor lançador da Europa” e isso enchia a malta de orgulho. Era um modelo a seguir. Já se sabia que lançava com uma facilidade e precisão fantásticas, mas o “título”, mesmo sem alterar as suas capacidades, vinha-lhe conferir uma notoriedade especial, como se ser bom dependesse de um diploma.
Exalte-se, portanto, a melhor marcadora do Mundial, que é nossa - Tuga. Mas não nos ficámos – não ficou esta atleta – por aqui.
A organização do campeonato atribuiu-lhe o título de Melhor Jogadora. Sim, a melhor jogadora do Mundial foi portuguesa. Lado a lado com o Melhor, Michiel Gerritsen, que é nada mais nada menos que o único atleta profissional no Planeta Terra e adjacentes.
O potencial emblemático deste facto não foi minimamente aproveitado. Temos uma bandeira em mãos, senhores. Vejam o potencial para a motivação dos nossos jovens, para a divulgação mediática, para a credibilidade da modalidade no nosso País… E não há referências nem pela Federação nem pelo Clube. Souberam os que lá estiveram e mais um punhado de pessoas que casualmente tropeçaram na informação.
Se marcar mais golos é um dado objectivo, ser o melhor é de uma subjectividade tremenda. Não me quero pôr a adivinhar se os mais reputados técnicos acham que esta atleta é a melhor do Mundo, se foi sequer a melhor na competição ou até se é a melhor em Portugal. Mas que ganhou o prémio, lá isso ganhou, e esse já ninguém lho tira.
Em tempos chamei-lhe qualquer coisa como a Rainha das Bancadas. Não me lembro se a expressão era esta exactamente, mas o sentido era esse. Se não engano foi na sequência de um Europeu jovem, em Rio Maior, em que um público maioritariamente afastado do Corfebol a adoptou como estrela maior da companhia nacional. Porque foi quem mais lhes apelou aos sentidos. Não necessariamente a jogadora mais eficaz, na totalidade das tarefas de jogo, mas sem dúvida a mais espectacular. E continua a ser a pessoa que, ao longo dos últimos anos, é mais agradável de ver a jogar.
Se um treinador em Portugal escolheria uma ou duas colegas de selecção antes desta para formar uma equipa vencedora, acredito que sim. Se um Manager em Portugal escolheria esta jogadora em primeiro lugar para garantir o espectáculo, sem prejudicar a qualidade de jogo, também o acredito.
Faz-me lembrar, em anos bem lá para trás, um tipo, também ele baixinho (e marreco, ainda por cima), que fazia sempre com que valesse a pena ir ver jogos de Corfebol. Chama-se ele Nuno Ferro e também vestia de azul.

És Grande, Inês Biocas!

quinta-feira, dezembro 06, 2007

3 Alegorias para um Epílogo

Alegoria 1
Ser criança é, por vezes, frustrante. Quer-se ir brincar para a rua, quer-se comprar um brinquedo, quer-se comer um doce, mas não se pode sem autorização desses adultos que decidem sem que se percebam as razões.
O Menino não era diferente. Tinha as frustrações de todos os meninos quando se deparam tantas vezes com uma barreira de incompreensíveis “nãos”. Para fazer frente ao problema, o Menino começou pela forma mais básica – a insistência. “Mas porquê?”, “Vá lá!”... eram as expressões mais ouvidas, até à exaustão.
Depois, ainda menino mas já mais sabedor das manhas da vida, o Menino refinou o truque. Passou a bater a diferentes portas, até ser satisfeita a sua vontade.
Quando queria um chocolate, pedia à mãe. E se esta lho recusava, pedia ao pai. Se este lho recusava, pedia ao tio, à avó, à madrinha… Até que alguém, mais atento à satisfação do que a outras preocupações mais cinzentas, lhe concedia o desejo.
E era vê-lo, triunfante, exibindo o seu troféu, sacado a custo, certo da justeza da concessão, olhando para os familiares anteriores com o rancor que merece quem julgou mal. Afinal ele tinha razão. Afinal merecia o chocolate. Se não o merecesse, este último familiar ia-lho dar? Claro que não.

Alegoria 2
O Menino cresceu, era agora o Rapaz, mas continuava com esse apetite voraz por chocolates.
Havia na escola um Moço a quem mãe dava dinheiro para o almoço na escola, mas que o estourava em chocolates. Justiça lhe seja feita, era generoso para com os amigos e até dividia os chocolates com eles.
Um dia, estava o chocolate do Moço no fim, sobrava um quadradinho, e apareceu um Amigo que lhe pediu esse último pedaço. Sem dar tempo para a resposta, que seria naturalmente positiva, o Rapaz, que estava perto, pediu-lhe também o quadradinho final.
Dividir estava fora de questão, ou o recheio de morango escorreria pelos dedos dos três jovens. Decidido a fazer prevalecer a ordem dos pedidos, o Moço explicou ao Rapaz que o Amigo tinha pedido primeiro.
Mas o Rapaz não entregava facilmente o ouro ao bandido. Afiançou-lhe então que, caso não lhe desse o derradeiro quadradinho, iria contar à sua mãe onde é que ele gastava o dinheiro dos almoços. Nunca mais haveria chocolates.
“Mas aí tu também nunca mais os comes”, dizia tremulamente o Moço. “Paciência; a mim não me passam para trás”, informava o triunfante Rapaz. “Faz o que achares melhor”, resignava-se o Amigo.
Oscilante entre os seus princípios morais e o temor que tinha à reacção da mãe caso descobrisse; hesitante entre o que achava correcto e a perspectiva de nunca mais comer chocolates na escola; balançando entre o idealismo e o interesse material, o Moço pediu desculpas ao Amigo e deu o quadradinho ao Rapaz.
E era vê-lo, triunfante, exibindo o seu troféu, sacado a custo, certo da justeza da concessão, olhando para o Amigo com o rancor que merece quem lhe tentou tirar o que era seu. Afinal ele tinha razão. Afinal merecia o chocolate. Se não o merecesse, o Moço ia-lho dar? Claro que não.

Alegoria 3
Já Homem, os chocolates deram origem a outras dependências. As desilusões da vida levaram ao vício, o vício à dependência séria, a dependência à marginalidade. Furto aqui, esquema ali, acabou por esfaquear um caixa de uma mercearia. Azar, o caixa morreu. Cúmulo do azar, havia um novo sistema CCTV na loja e ficou tudo filmado.
Mas já sabemos que o Homem não é pessoa para se dar por vencido assim por dá cá aquela palha. Mobilizou todos os meios que conseguiu e o seu advogado provou, por A+B, que o CCTV não estava ainda registado. Faltavam umas burocracias quaisquer ligadas à protecção de dados e às liberdades individuais dos cidadãos. O dono da mercearia ainda nem tinha colocado uns autocolantes que lá tinha a avisar que os clientes e ladrões estavam a ser filmados.
O vídeo era a única prova e esta tinha sido conseguida de forma ilegal. Toda a gente sabia que tinha sido ele o autor do crime, mas a justiça é cega e acabou por ser posto em liberdade.
E era vê-lo, triunfante, exibindo a sua liberdade, sacada a custo, certo da justeza da concessão, olhando para os familiares do caixa de mercearia com o rancor que merece quem lhe tentou tirar o que era seu. Afinal ele tinha razão. Afinal merecia a liberdade. Se não o merecesse, o tribunal ia-lha dar? Claro que não.

Epílogo
De conquista em conquista, sempre certo da plenitude da sua razão, o Velho, que fora em tempos Menino, e depois Rapaz, e depois Homem, viveu numa felicidade encenada. Esfregava cada sucesso na cara de quem lhe fazia frente. Ria, ria muito. Sentia que tinha motivos para ser feliz e que todos gostariam de estar no seu lugar.
Mas poucos lhe invejavam a posição. Durante a sua vida, perdera gradualmente a afeição da família, o companheirismo dos amigos e o respeito da sociedade. Ria, sim, mas ria sozinho.
E quando, finalmente, o vida se lhe extinguiu, o filme da sua vida que viu passar em frente aos olhos fê-lo chorar. Quando a alma se soltou do corpo ainda teve tempo de pedir desculpa a todos quantos atropelou, a todos quantos pisou para chegar mais alto.
Mas já ninguém o ouviu.