Blog do Avô

O Primeiro Blogue sobre Corfebol (mas não só) em Portugal!

quarta-feira, março 19, 2008

Pior a Emenda que o Soneto


Imaginem que estão preocupados com as pessoas que bebem numa festa e que depois vão a conduzir para casa. Comentam essa situação com algum amigo, supostamente sóbrio, que medita no assunto e sai com a melhor das soluções – “É dar-lhes mais de beber. Assim nem sequer conseguem pegar nos carros e já não vão a conduzir para casa”. A típica fuga para a frente.
Pois eu há anos que estou preocupado com o sistema eleitoral português e vejo-me agora perante uma solução idêntica. Acérrimo opositor dos círculos eleitorais, em eleições legislativas, defensor do círculo único, deparo-me com a vontade da maioria em torná-los uninominais.
Sacrificada a democracia em nome de uma representação geográfica que, na prática, não existe, vamos emendar a situação sacrificando-a mais ainda, para ver se já passa a haver a tal representação. Em vez de tirarmos o álcool ou o carro a quem tem os dois, vamos mas é enchê-los de álcool. Pode ser que nem se apercebam da estupidez que estão a fazer.

O sistema actual é injusto.
Ao votarmos em círculos, não estamos a dar a correcta proporcionalidade entre os votos efectivos de um partido e o número de deputados na Assembleia da República.
O eleitor português raramente se questiona sobre o porquê de haver maiorias absolutas com 40 e poucos por cento. Ainda há dias ouvia alguém supostamente credenciado a dizer que a culpa era do método de Hondt. Pois asseguro-vos que o Hondt funciona na perfeição. Não sei quem foi o gajo, mas era um génio.
Desafio-vos, se ainda não o fizeram, a aplicar o método a qualquer resultado eleitoral, para eleger qualquer número de elementos. Vão ver que a proporção é sempre fiel aos resultados.
O problema é que, quanto menos os eleitos, mais “sobras” existem. Se elegermos 20 representantes, a lógica é que cada 5% de votos eleja um. Mas se vários partidos ficarem abaixo dos 5%, então esses votos muito provavelmente irão ser perdidos e vão reverter a favor dos mais votados. Daí a forte possibilidade de ter mais de 50% dos representantes sem a maioria dos votos.
Claro que, se baixarmos de 20 representantes (chamemos-lhes deputados) para 10, então será mais difícil um pequeno partido chegar à Assembleia (só com 10%). E se passarmos a 1 único eleito, então só o partido mais votado irá eleger o seu representante, mesmo que só tenha tido uma votação baixa em termos absolutos.
Se o nosso Parlamento tem 230 lugares, diz a lógica matemática que devíamos eleger um deputado por cada 0,4% de votos. Seria a lógica, mas não é assim. Se assim fosse, o PCTP/MRPP e o PND teriam deputados eleitos nas últimas legislativas. No caso do MRPP, há vários anos, pois tem tido sempre votações acima desse valor. E o PS nunca teria actualmente 53% dos deputados com apenas 45% dos votos. Apliquem o método de Hondt aos resultados gerais nacionais e vão ver se não tenho razão.
Isto acontece porque o Parlamento é composto por várias eleições autónomas, distritais, e não por uma só, nacional. Desta forma, há mais listas que não chegam à eleição, em cada círculo, o que engorda os partidos que conseguem sempre, em cada Distrito, eleger pelo menos um deputado.

Em termos de representatividade, há outra questão polémica na determinação de quantos deputados deverá eleger cada círculo. Estou confortável neste aspecto porque, mais uma vez, foram buscar o fulano Hondt para fazer estas contas. O número de deputados a eleger por Distrito é determinado racionalmente, de acordo com o número de eleitores. Mas eleitores nem sempre é igual a votantes. Se um Distrito tiver uma elevadíssima taxa de abstenção, continua a eleger o número de deputados que lhe cabe por direito. Neste caso, o que acontece é que cada voto nesse Distrito vale mais do que um voto noutro ponto do País onde toda a gente terá ido votar. Ou seja, os deputados não representam o mesmo número de votantes.
Isto não aconteceria num circulo único nacional.

Então, porque é que existe este sistema?
A ideia é criar uma representação regional. Julga-se que as populações serão melhor representadas se tiverem uma relação mais directa com os seus eleitos.
Tangas!
Na prática, nós sabemos que o voto é para um partido e não para quem está na lista de cada Distrito. Vota-se, eventualmente, nos candidatos a Primeiro-Ministro. Esses costumam encabeçar as listas por Lisboa, mas são mais importantes para um bragantino do que os seus próprios candidatos.
Um exemplo actual foram as autárquicas em França. Toda a imprensa foi unânime em indicar que os resultados foram uma penalização a Sarkozy. Puniu-se o Presidente não votando no seu partido, numas eleições autárquicas. Isto tem lógica? Não; mas é assim que o pessoal funciona.
Da mesma forma que os eleitores não ligam a quem os vai representar regionalmente, também os eleitos não ligam às regiões que os elegeram. Muitos nem sequer de lá são. Foram lá parar por uma questão de táctica política (nomes fortes para círculos decisivos, mesmo que nunca lá tenham posto os pés).
Quantas vezes um grupo de deputados votou contra o seu partido em defesa da região que o elegeu? Fora o triste episódio do queijo limiano… não me lembro. Mas lembro-me dos “eleitos do futebol” se unirem extrapartidariamente, quando as leis lhes pisaram os calos. Quanto a círculos eleitorais, só mesmo em assuntos das regiões autónomas parece haver algum sentido regional, mas isso é um caso à parte.
E se nós queremos ser representados, porque havia de ser regionalmente? Por essa ordem de ideias, as mulheres deviam votar em listas de mulheres e os homens em listas de homens, para que se sentissem representados. E os escalões etários também podiam ser divididos. E as profissões (arquitectos votavam em arquitectos). Ridículo?... Yep!

Até aqui, o pessoal que defende os círculos uninominais até deve estar de acordo comigo em quase tudo. Está mal como está, então vamos mudar o sistema. A diferença é que uns querem corrigir as falhas acentuando-as e outros eliminando-as.
Criar círculos em que elegemos uma só pessoa vai fazer com que votemos nela e não no partido?... Duvido!
Vai fazer com que essa pessoa esteja mais perto de quem a elegeu, e portanto possa votar contra o partido quando os interesses dos “seus” eleitores estejam em causa?... Duvido!
E, no entanto…
Vai fazer com que a discrepância entre votos e eleitos seja ainda maior. Benefício evidente para os grandes partidos, que irá proporcionar a definitiva bipolarização do espectro político português. Vai passar a fazer sentido a lógica do voto útil (para quê votar na 3ª força, se a luta é só entre a 1ª e a 2ª?).
Vai acentuar as injustiças baseadas na incidência regional. Um partido que esteja disperso por todo o País, sem grande incidência regional, pode representar 15% dos portugueses e não ter um único deputado. No entanto, se a Fátima Felgueiras criar um partido só dela e ganhar o círculo mais próximo da terra que lhe deu o nome, pode ter uma expressão mínima a nível nacional, mas vai ter representação no Parlamento Nacional.

Na prática, ainda não percebi qual é a ideia em relação à criação desses microcírculos.
Porque agora, mesmo não concordando com o sistema, há uma lógica na determinação dos círculos – São Distritos. Há uma identidade que une as pessoas do mesmo Distrito e há Distritos com mais e menos população. Dessa população, advém o número de deputados que elegem. Tudo bem.
Mas os círculos uninominais têm de ter população idêntica. Como elegem todos o mesmo número (1) de deputados, têm de ser criados em função disso, invertendo a lógica anterior. Como é que se faz isso?
Inevitavelmente, terá de deixar de haver uma lógica geodemográfica, o que me parece um bocado idiota. Porque, se não há uma identidade comum (mesmo que meramente administrativa) nos eleitores, então como é que o seu deputado os vai representar?

Parece-me evidente que ninguém procura, com esta proposta, a justiça e a democracia. Os argumentos são poeira que oculta (mal) uma lógica de cristalização do actual poder. Quem decide é quem lá está e quem lá está decidirá em função da melhor forma de lá continuar.
Os outros, os que estão fora da chamada “esfera do poder”, não terão mais do que comer e calar.
Mas talvez os portugueses, que na sua maioria até votam no PS e no PSD, tenham algo escondido no fundo da sua aparente despreocupação. Talvez tirem inesperadamente um coelho da cartola e se demonstrem mais preocupados com o futuro democrático do que com o presente eleitoralista. Talvez os portugueses revelem um sentido de justiça e democracia que vá para além do seu partido de eleição e, mesmo sem deixarem de legitimamente votar em quem costumam votar, façam notar que não é esse o caminho que pretendem seguir.
Talvez…

quarta-feira, março 12, 2008

Alargar Horizontes


Já lá vão tempos de tal forma longos que nem me lembro do ano que corria. Havia um Fórum de Discussão sobre Corfebol, onde se iam mandando umas bocas, fazendo uns comentários, falando amenamente sobre o que se ia passando neste nosso Mundo.
A certa altura, um tal de Sr. R, personagem enigmática, elaborou um texto simpático, que fez abrir sorrisos na cara de muita gente. Fui um deles. Nunca cheguei a saber quem estava por trás desse texto, nem houve outros com a mesma assinatura. A curiosidade passou. Nunca mais se ouviu falar no Sr. R.
No texto aludido, havia, a certa altura, a referência a um avô. Fiz a minha imagem mental dessa personagem. Não sei se era igual à imagem original do autor. Era a minha imagem.
Estava nesses dias com vontade de escrever qualquer coisa e achei que a imagem que tinha feito do tal avô se podia adaptar ao texto que me ia saindo da caneta. Nessa altura ainda escrevia a caneta, passando depois para as teclas e o ecrã. Tenho ainda o rascunho desse texto, quase ilegível. Tenho pena que não se tenha preservado o definitivo, o que esteve plasmado na Web.
E assim escrevi e tornei público um texto que tinha como base um início comum de todas as frases: “Eu é que sou o Avô que…”.
A ideia não era criar uma personagem nem roubá-la ao autor original. Mas aconteceu que houve uma grande aceitação do texto. Houve outra vez uma abertura de sorrisos. Passava-se de “quem é o Sr. R?” para “quem é o Avô?”.
Surpreendi-me quando alguém, a primeira vez que me viu depois desse texto, me ter cumprimentado com um “Olá, Avô”. Foi a única pessoa que desvendou imediatamente esse enigma.
E resolvi arriscar outro texto. Este já não era tão consensual. Sob o lema “Planei e vi…”, era um texto em duas partes. Na primeira, com um tom pessimista, relatava certas coisas que me desagradavam no Corfebol. Na segunda, com um cariz mais conciliatório, ligava o botão do optimismo e enumerava uma lista de coisas positivas.
A identidade do Avô apenas tinha sido envolta num pequeno mistério simplesmente por piada. Não era uma situação para durar. Aliás, em bom rigor, nunca foi. Quem quis saber e o perguntou com civilidade, teve sempre a sua resposta. Para segredo, foi sempre muito mal guardado.
No entanto, houve nesta fase um episódio que talvez tenha determinado que não fosse apregoado aos quatro ventos algo que deixou de ser piada para ser, de certa forma, protecção.
Estávamos eu e mais duas pessoas que pertenciam comigo a um projecto novo. Uma delas puxa o assunto “Avô” e gaba-lhe o escrever. Prestes a, vaidoso, assumir a paternidade dos textos, foi essa minha pretensão interrompida pela terceira pessoa. Que sim, que o primeiro texto, tinha sido muito giro, mas o segundo fazia afirmações que não lhe tinham caído bem.
Perante tal revolta, e porque o projecto novo que tínhamos abraçado em conjunto poderia ser perigado por uma questão de somenos, calei a revelação.
As afirmações polémicas eram o constatar de que algumas pessoas usavam o seu estatuto no Corfebol português para pressionar árbitros durante jogos decisivos. Nenhuma novidade. Apenas a novidade de ser escrito.
Poderia ter aprendido que dar opiniões causa atritos. Poderia ter aprendido que as opiniões variam e que o clubismo pesa muito nessa variação. Mas não aprendi. Não aprendi porque já sabia e nunca deixei de saber. Mas também sei que, tal como aceito opiniões alheias, mesmo que com elas não concorde, é suposto que as minhas não causem a revolta que sempre causaram num punhado de pessoas, como se as ideias se combatessem com ameaças e insultos.
A mesma pessoa que descobriu prontamente a identidade do Avô foi quem me sugeriu criar um Blogue. Aceitei a sugestão. Era fácil. Sem custos. Aderi à Blogosfera. Assim poderia veicular, pensava eu, as minhas dissertações sem polémica. Sendo meu o Blogue, a responsabilidade editorial seria exclusivamente minha. Não teria de prestar contas a quem quer que fosse. O público seria quem quisesse e quem não gostasse ficaria à porta.
Sabemos que não tem sido bem assim, mas vive-se com o que se tem, rodeado de quem se tem à roda.
Passaram, entretanto, três anos e meio, uma centena e um quarto de textos publicados, tantas polémicas causadas, umas pelos textos, outras pelos comentários aos textos.
Comentários cuja hipótese nunca quis retirar. Acho que devem cá estar, por muito disparatados que alguns sejam. Apenas tive de eliminar comentários por três vezes (se a memória não me falha), sempre por palavras excessivamente grosseiras. Ironicamente, duas delas foram situações em que eram insultadas precisamente as pessoas que mais se queixam do que escrevo.
O tema Corfebol foi esticado exaustivamente. Somos demasiado poucos e com uma expressão demasiado pequena para que haja assunto para falar com a regularidade que este Blogue teve durante tanto tempo. Acho que consegui esticar o elástico sem o partir nem lhe retirar qualidades. Posso-me orgulhar, sem falsas modéstias, por uma mão cheia de textos (é óbvio que há vários que não saíram tão bem) com qualidade, se atendermos a que foram sobre um tema que não seria fácil de replicar com tal constância.
A mesma pessoa que disparou o “Olá, Avô” logo no início, e que sugeriu a criação de um Blogue, entendeu há tempos dizer-me que estava na hora de fechar a loja e partir para outros projectos, mais abrangentes. Não irei revelar os termos em que isso foi dito, mas foram termos interessantes, edificadores do ego do Avô, mas destrutivos para o mundo sem o qual o Avô não era Avô – o Corfebol.
Então, agradecendo-te, L., aceito parcialmente a tua sugestão. E, numa altura em que o pessoal está a ler nisto uma despedida, inflicto um pouco nessa ideia. Não deixarei de escrever no Blog do Avô. Apenas deixarei de escrever exclusivamente sobre Corfebol.
Ainda por cima, agora temos um segundo Blogue sobre Corfebol. Que, para mais, é assinado por um Neto, o que daria um toque de sucessão, não fosse o facto de tal projecto me ser completamente alheio. E, se esse espaço esteve um bocado hesitante no início, há indícios de que pode ser mesmo à séria. Teremos de esperar para ver, torcendo para que haja mais participação quando se falarem de coisas importantes do que quando se mexer na susceptibilidade de alguém.
Esta é uma solução de compromisso comigo mesmo. O Corfebol continuará a figurar no endereço, no propósito, e no historial longuíssimo deste Blogue. Também figurará, sempre que isso seja pertinente, nas postagens. É lógico que a modalidade continuará a ter um papel fundamental na minha agenda.
Talvez devesse romper com este Blogue e começar um de raiz. Talvez ainda o venha a fazer, se um período inicial não correr bem. Mas, para já, é esta a solução. Poderei fazer uma revisão a algumas coisas, se tiver disponibilidade para isso. Nomeadamente, devo retirar a rádio. Já nem sei o que lá passa, porque costumo tirar o som e nunca mais me deu para rever os seus conteúdos. A sua criação foi muito limitada em termos de músicas e não gostei muito do resultado.
Aqui irão caber mais temas, mais assuntos, tratados de formas variadas. Menos de uma semana depois de ter, finalmente, terminado um livro que já andava a prometer há muito, acho que a altura é propícia.
Espero manter o público e – quem sabe? – alargá-lo.
Até breve!