Blog do Avô

O Primeiro Blogue sobre Corfebol (mas não só) em Portugal!

sexta-feira, março 24, 2006

As Intermitências do Golo


Aposto que o Saramago também vê “O Apelo”. Aquilo de as pessoas, assim sem mais nem quê, desatarem de repente a não morrer, só pode ser obra da Tru, a tal do TRUcadilho.
E como isto é um Blog de Culto (que é uma maneira simpática de dizer que tem meia dúzia de devotos), e a Tru é uma série de culto, e o Saramago é Nobel, o que é cultíssimo, faz-se uma salganhada e inventam-se “As Intermitências do Golo”, que é mais uma referência ao careca que, lá das Canárias, vai mandando para a estampa interessantes sucessos antecipados de vendas.
Mas, posta a introdução no seu lugar, vamos à história.

“nem xabs o k akontexeu hj n m jg”
“dix la”
“fiko 0 0 ng marko lol”
“lol n jg du marku tb”
“LOL cm e poxivel n1 jg t faxil“
“ya fiko tud s saber o k faxer”
“n m tb tv td amirado”

Os meios informáticos foram os primeiros a fazer espalhar a notícia. Naquele Fim de Semana não se tinham marcado golos. Jogos equilibrados, jogos desequilibrados, tudo tinha acabado com o mesmo resultado – zero e zero!
Nunca se tinham falhado tantas grandes penalidades, tantos lançamentos na passada, tantos curtos. Nunca se tinham visto treinadores a roer as unhas de forma tão compulsiva, atacantes a bater tanto com a cabeça no poste, defesas com tanta vontade de deixar lançar, árbitros com tanta vontade de serem beliscados para saírem daquele filme, público com as bocas tão abertas, num misto de espanto e de bocejo.
E o pior foi que a situação se prolongou, semana após semana, jogo após jogo, resultados nulos sucedendo-se a nulos resultados.
Verificaram-se os registos desportivos – as outras modalidades continuavam em pleno. Contactaram-se os congéneres internacionais – tudo na normalidade no resto do mundo corfebolístico. Era só no Corfebol, era só em Portugal, que tal coisa acontecia.
Seria um problema dos portugueses? Não. Havia um tipo a fazer Erasmus em Barcelona, que tinha arranjado uma equipa para não enferrujar, e ia marcando uns cestitos em todos os jogos. Para confirmar, uma comitiva lusa foi fazer um périplo ao estrangeiro e, qual faca quente em manteiga, as redondinhas da Mikasa entravam suaves nos amarelos, fossem eles de verga ou de plástico.
Também não era dos cestos, nem dos postes, nem das bolas. Deram-se até ao trabalho de levar esse material para fora e resultava tão bem como se fosse material indígena.
Seria do território nacional? Parecia que sim. Convidaram-se alguns dos melhores jogadores holandeses a vir cá, a expensas da IKF, que queria estudar o fenómeno a fundo, e – pasmando o mundo – pareciam todos uns principiantes quando tocava a lançar ao cesto. Nem uma bola entrava!
Ao fim de umas 4 ou 5 jornadas, a Federação reuniu de emergência (emergência ao fim de tanto tempo?... esses tipos da Federação são mesmo uns incapazes). Urgia intervir! Até porque vinha aí a Taça de Portugal e, aí sim, ia haver um nó difícil de desatar, quando tudo acabasse em empate e o Golo, mesmo que o dourado, nunca mais surgisse.
Várias propostas foram lançadas para cima da mesa. Umas para cima da mesa da Federação, outras para mesas paralelas, para fóruns, para blogs, para os jornais. Que se contem como golos as bolas que toquem no cesto; que se faça o resultado pela estatística (um golo por cada penalty, por cada dois lançamentos na passada, por cada três a menos de 4 metros, por cada cinco de fora...); que se arranje um júri para votar na melhor equipa em campo; que se acabe de vez com isto e vamos todos jogar futsal; que se transfira o campeonato para Espanha... Que se transfira o campeonato para Espanha!
Sim; “e digo mais”, empolgava-se o Presidente da Federação, que, desse por onde desse, tinha de ter a última palavra e fazer suas as ideias dos anónimos, “acho que devia ser em Badajoz, para reduzir custos”, e ainda, utilizando aquelas palavras caras que só ficam bem nos lábios dos Presidentes, “creio que Olivença, porque nossa é, e todos o sabem, não será a melhor solução, e sou também apologista de que não deveriam ser somente os campeonatos, como também deveríamos transpor para território vizinho as restantes provas sob a nossa égide”.
E assim foi. Decidiu-se concentrar tudo na mais vizinha das cidades, em poucos fins de semana, para não obrigar a muitas ou longas deslocações.
Decidiu-se também levar o material todo que em Portugal existia. Para quê ter postes nos clubes, se treinar sem marcar é frustrante para os jogadores? Para quê ter postes nas escolas, se pior publicidade não há que o não cheirar por uma vez o golo em aulas de experimentação de uma nova modalidade?
Trabalho feito. Tudo empacotado e enfiado em camiões. À empresa de mudanças que ia levar tudo para Badajoz, já só faltava uma escola, onde um poste solitário esperava ser transportado para junto dos seus, dos quais não via um desde que o seu companheiro se tinha partido.
O funcionário das mudanças, de bola na mão, pronto para a colocar no camião e carregar o poste para semelhante fim, foi chamado pelo superior, para ajudar a estacionar o veículo. Teve de voltar atrás. Iria buscar o poste depois. E, já agora, a bola também. Então lá vai. Vai, filha, para ali para perto do poste, que eu já te vou buscar. Depois, vamos todos para Espanha. Levo-te a ti e a umas centenas como tu, levo esse poste e umas dezenas como ele, e de volta trago uns pacotes de caramelos para a namorada. Vai lá, vai. Já te vou buscar. E lançou-a, despreocupadamente, em direcção ao cesto. Virou as costas em direcção à voz do superior, que o chamava de novo, impaciente. Virou as costas. Virou-as ao pavilhão vazio, onde só estava um poste abandonado, no meio do campo. Virou-se a tempo de não ver o que se passou a seguir. Já vou!, disse ao superior no momento certo para não ouvir o que se passou a seguir. E o que é que se passou a seguir?... A bola beijou a borda do cesto, rodopiou, embateu no seu interior, de um lado, do outro, rodopiou mais um pouco lá dentro, e saiu, por baixo, como mandam as regras. Ninguém testemunhou. Nem o autor do lançamento. E, passadas umas horas, não havia cestos, nem postes, nem bolas em Portugal para repetir o feito. Nunca mais.

terça-feira, março 21, 2006

Corfebolopédia - FGIJL

Fair-Play
Onde mais é que se vê um atacante parar o jogo quando o seu opositor directo cai sem que seja por uma acção de ataque? Onde mais é que os atletas se cumprimentam, um a um, antes e depois dos jogos? O Corfebol valoriza o Fair-Play como poucas modalidades.
Temos actos de pouco desportivismo, como há em qualquer outro lado, mas conservamos o que de melhor herdámos de uma modalidade criada para um meio muito específico e com objectivos muito específicos.

Gradeço, Chico
Era considerado o melhor lançador de Portugal. Chegou até a ter o título, em tudo informal, de melhor lançador da Europa, por ter vencido um concurso de lançamentos de fora durante uma Taça dos Campeões Europeus.
Foi o líder, em campo e fora dele, da equipa do Sangalhos, até voltar ao basquetebol, onde o profissionalismo falou mais alto.

Isabel Teixeira
Possivelmente, a melhor jogadora portuguesa de todos os tempos. Parte integrante do grupo que, sob a orientação da Professora Margarida Nortadas, iniciou o Corfebol na Secundária de Odivelas, manteve-se ligada até à passagem (da qual foi protagonista central) para o GD Bons Dias, onde ainda se mantém como jogadora e treinadora da equipa principal.
Durante todo este tempo, jogou sempre ao mais alto nível. Como treinadora, foi responsável por equipas de vários níveis, desde as equipas de formação até à equipa A, passando pela função de Seleccionadora Nacional de sub-19.
Como se não bastasse este resumo curricular para colocar o nome da Isabel entre as pessoas mais significativas na história da modalidade em Portugal, há ainda a realçar o aspecto importantíssimo de ter sido responsável, nas escolas Pedro Alexandrino e António Carvalho de Figueiredo, pela introdução da modalidade a muitos jovens, alguns dos quais são hoje atletas altamente promissores.

Jorge Ramos
O próximo Seleccionador Nacional Sénior esteve no ISEF quase desde o princípio. E quase desde o princípio esteve na primeira equipa e na Selecção Nacional Sénior. Com um percurso intermitente como treinador, está actualmente à frente do CCO A. Fez do Corfebol uma parte muito importante da sua vida e até casou no Corfebol, com a também histórica do ISEF Dada Romão.

Lançamentos
Se o objectivo do jogo é fazer a bola passar de cima para baixo pelo cesto, isso não é possível sem lançar. E é o lançamento a única coisa que os defesas podem, objectivamente, evitar. Será, portanto, o aspecto central do jogo.

quinta-feira, março 02, 2006

Help Me!

Era a revelação dos últimos anos. Ninguém percebia como é que a Gertrudes, jogadora mediana sem grandes bases na exigente ciência do treino, tinha atingido tal sucesso como treinadora. Tanto mais que os seus atletas achavam os treinos fracos, sentiam que pouco aprendiam, que falhava novidade e competência à líder.
Mas os jogos corriam bem. Parecia que ela antecipava o que se ia passar. Apostava sempre nos jogadores em melhor forma e previa a sua prestação. Um dia, virou-se para um habitual suplente e disse-lhe que precisava de confiança, e que nesse dia essa confiança viria quando abafasse um dos melhores atacantes do campeonato e marcasse 4 golos na 1ª parte. Riram-se todos e o visado franziu a sobrancelha, mas a profecia concretizou-se e a Gertrudes passou a ser vista à sombra de uma aura mística que ninguém conseguia explicar.
Mas nós, com a omnipresença de quem escreve/lê uma história ficcionada, podemos observar de fora aquilo que os outros não vêm. Afortunados somos!
E conseguimos ver um dia de jogo da equipa da Gertrudes, Tru para os amigos e para simplificações deste texto.
Acompanhamo-la desde manhã, e a primeira surpresa é ver que dorme uma sesta antes do jogo. Mas as verdadeiras surpresas viriam depois.
Com espanto, vêmo-la pôr uma pistola na mala que sempre leva para os jogos. Pressão sobre os árbitros!, pensamos nós, que levamos sempre as anomalias de resultados para o elo mais fraco. Mas não; a verdade estaria para vir, abrupta e chocante.
Tivemos azar no dia que escolhemos para fazer esta visita omnipresente. O jogo está a correr terrivelmente mal. Até que, no final, no balneário, ante o desânimo total, um tiro!; a treinadora aponta à cabeça de um dos seus atletas e, sem piedade, dispara. Tentamos intervir, mas não somos omnipotentes, apenas omnipresentes.
Sem dar tempo à reacção dos colegas, aproxima-se do falecido, massa cefálica espalhada por todo o lado, e olha-o fixamente. E aqui aconteceu aquilo que só nós, e a Tru, conseguimos ver. O atleta morto vira a cara para ela e diz-lhe “Ajuda-me!”.
Somos então transportados para a cama da jovem treinadora (mais uma vez, de uma forma apenas omnipresente, o que é pena) e – espanto supremo! – o dia repete-se. Não todo, mas apenas desde a tal sesta, uns minutos antes de avançar para o pavilhão.
Mas nem tudo se repete. Com os ensinamentos que recebeu durante o jogo, orienta os jogadores para evitar erros e aumentar que de bom fizeram. O jogador pode não perceber porque é que ela lhe diz para, numa determinada jogada, dar mais espaço ao atacante do que é normal, mas nós sabemos que aquela jogada, no dia anterior (ou na primeira versão daquele mesmo dia), tinha dado penalty. Uma após outra, as indicações de Tru levam a equipa a fazer algo melhor que na primeira tentativa (para os jogadores, aquela era a primeira tentativa, mas nós sabíamos que não). Mesmo assim, está longe de ganhar o jogo.
Nova surpresa. A meio do jogo, após um livre que não deu ponto, Tru pede um desconto de tempo e... até nos custa a olhar!... dispara à queima roupa em pleno peito de uma das suas pupilas. A cena do “Ajuda-me!” repete-se. O dia repete-se, desde o final da sesta. O jogo repete-se. O desconto de tempo repete-se, até que o livre dê em golo. Perdemos a conta à quantidade de vezes que o jogo é interrompido por um tiro e reatado como se nada se tivesse passado. E de cada vez que se repete, melhor corre para a equipa de Tru.
Ficamos a perceber a elevada percentagem de concretização daquela equipa. Ficamos a perceber as estranhas opções e orientações da treinadora. Ficamos a perceber porque é que aqueles atletas perdem o rendimento quando vão às selecções.
A verdade fica a descoberto... para nós, omnipresentes que aqui estamos a escrever/ler esta história. Mas não para os protagonistas. Não para os adversários. Não para o público. Nem sequer para os jogadores da equipa de Tru, que nem imaginam a quantidade de buracos de bala já tiveram no corpo.
O macabro segredo está guardado pela jovem, que apenas o partilhou com o seu irmão, um viciado no Corfebol Mania.
Um dia, porém, um tiro saiu uns milímetros ao lado. Não atingiu logo o ponto vital e o atleta atingido resistiu uns segundos antes de dar o suspiro final. O tempo suficiente para permitir que os colegas agarrassem a treinadora e não lhe permitissem receber o pedido de ajuda. Havia jogo de Futsal a seguir e os polícias já lá estavam. Foi presa.
Contou a sua história e foi dada como mentalmente avariada. Stress competitivo, pensaram todos. Afinal, depois de jogos tão bons, aquele estava a correr verdadeiramente mal. Nem parecia a mesma equipa. Mal sabem eles que aquele era um jogo igual a todos. Sabêmo-lo nós, os tais da omnipresença, que assistimos a tudo.
Uns anos mais tarde, um jornal sensacionalista, daqueles aos quais não devemos dar atenção, noticiava que num determinado manicómio tinham baixado drasticamente os óbitos registados.