Blog do Avô

O Primeiro Blogue sobre Corfebol (mas não só) em Portugal!

quarta-feira, abril 20, 2005

A Porta Entreaberta

Andou nas bocas do mundo corfebolístico a hipótese revolucionária de esta modalidade ser acolhida no seio do maior clube português. Calaram-se as bocas e ficámos sem saber em que estado ficou essa possibilidade.
Ter Corfebol no SL Benfica seria dar um passo significativo em frente.
Conferia credibilidade à modalidade. Quantas vezes não nos perguntaram já “Mas que clubes é que praticam isso?” ou, quando se diz que o Benfica é Campeão Nacional, não tivemos já que sublinhar “Núcleo de Corfebol de Benfica, não é o outro” rematando com um sorriso amarelo e um suspiro de “Era bom, não era?”. O SLB dava-nos, para o exterior, uma imagem de desporto “a sério”. Mesmo que possamos considerar estúpida e hipócrita essa associação, ela existe e não pode ser ignorada.
Trazia-nos um mediatismo acrescido. Vejam o Futsal. Sem Sporting e Benfica o que era o Futsal? Vejam o Horseball (o tal que é tão confundido connosco). A única equipa de Horseball que conheço é aquela que tem um nome de que nem me lembro, barra Sporting Clube de Portugal.
Talvez a adesão do SLB puxasse outros clubes de grandes dimensões. Ou mesmo os pequenos clubes, aqueles que agora torcem o nariz e não nos abrem as portas. De certeza que era um fantástico cartão de visita.
É difícil introduzir o Corfebol no SLB? Segundo sei, o primeiro contacto foi deles, portanto a dificuldade está reduzida em umas boas dezenas de percentagem.
O início do Corfebol no SLB deveria ser idêntico ao do LAC – uma boa equipa com jogadores experientes e uma (ou mais) equipa de formação.
Para a primeira equipa há dois grupos-alvo fundamentais, de cuja intersecção se deveria fazer o atleta ideal do SLB-Corf. Por um lado, os jogadores descontentes com a sua situação de jogadores-B, ou seja, aqueles que são bons mas não conseguem chegar às equipas A e, portanto, à 1ª Divisão. No SLB, tal como no LAC, chegariam lá ao fim de um ano. Por outro lado, os adeptos do SLB-Clube, ou SLB-Futebol. O sonho de muita gente que por aí anda, das equipas de topo às mais baixinhas, é um dia envergar oficialmente a camisola do seu clube futebolístico de eleição, seja o Benfica, o Sporting ou o Carcavelinhos. Peguem nestes dois grupos em separado ou, melhor ainda, seleccionem quem cumpra as duas condições, e vão ver que equipazorra não se formaria.
Em relação à formação, seria tão fácil como fugir de um caracol coxo. Quantos miúdos e miúdas não há por aí ansiando jogar qualquer coisa no dito Glorioso? Qualquer coisa, sublinhe-se. Uma centena de cartazes distribuídos nos cafés e lojas da zona de Benfica já garantiam captação mais do que suficiente.
O que é que falta? Pessoas não; ideias também não. Há muita gente com capacidade (e arrisco a dizer vontade) para abraçar um projecto destes. Dois treinadores e um seccionista já faziam a festa e não é preciso pôr um anúncio no jornal para os encontrar. As ideias também as há, em quem já matutou sobre esta hipótese, e passarão a haver em quem só agora saiba dele e matute durante uns escassos minutos.
O que faz falta, então, é que essas pessoas passem essas ideia para um projecto e avancem. Que façam o contacto com o SLB e dinamizem a secção. Que falem com quem tenham de falar para garantir a qualidade do projecto e o ponham sobre carris.
A porta foi aberta. Ninguém entrou. Talvez agora esteja encostada. Talvez fechada. Talvez entreaberta. Que alguém bata à porta. Não custa tentar e o Corfebol só terá a ganhar.

terça-feira, abril 19, 2005

Cinderela

No início, tudo era fantástico na vida de Cindy. Os pais jogavam juntos num clube pequeno e ela ia dando os primeiros passos no Corfebol, embebendo-se inicialmente no agradável elixir do Corfebol Social e percorrendo devagar os degraus do Corfebol Desportivo. Era um clube modesto mas com um ambiente maravilhoso.
Uma fatalidade, porém, veio mudar radicalmente esse percurso. A mãe de Cindy teve um acidente e a jovem ficou orfã num momento da vida em que tanto necessitava do carinho materno – se é que os há em que essa necessidade não existe.
Quando perdeu a mãe, Cindy sentiu que todo o mundo se desmoronava à sua volta. Não era para menos; o seu pai sucumbira aos encantos de uma malvada treinadora de um clube doutra cidade, onde até conseguiu arranjar emprego, e mudaram-se para lá.
Longe dos amigos, inadaptada ao novo clube, muito mais competitivo, sem conseguir uma convivência sã com a sua madrasta e – pior de tudo! – tendo de aturar a mesquinhez das duas novas enteadas do seu pai, Cindy desesperava. Chorava pelos cantos, aborrecia o pai com as suas crises de má disposição, mas, a certa altura, lá se convenceu que a vida tinha de continuar e que mais valia resignar-se e tentar prosseguir da melhor forma.
Ora calhou isto precisamente na pré-época, quando as gémeas, as novas “irmãs” de Cindy, andavam em polvorosa na ânsia de, após anos de esforço e espera, finalmente subirem à equipa A.
Para Cindy, essa não era uma meta. Pelo menos, não o era da forma obsessiva que revelavam as gémeas. Se ficasse na A, ficava com satisfação; se não ficasse, paciência. Mas tinham-lhe ensinado que devemos sempre dar o máximo em qualquer avaliação, sem abusar nas expectativas mas sendo sempre o melhor que podemos ser em cada momento, na vida e no desporto. Portanto, iria aos treinos de captação, mostraria o seu melhor como atleta, e tentaria ficar na primeira equipa, sabendo que não deixaria de dormir caso isso não acontecesse.
A sua madrasta, treinadora experiente cujos pupilos de maior orgulho eram as suas próprias filhas, assistiu a toda a semana de treinos de captação. Ia dando pequenas cotoveladas no treinador da equipa A, cada vez que alguma das suas filhas (as de sangue, só) fazia algo de positivo, “vês a capacidade que ela tem”, “viste aquele grande lançamento” (assim mesmo, sem pontos de interrogação, que esta é daquelas que não questiona – afirma), e também quando uma das outras falhava, “esta miúda nunca poderia ir para uma equipa A”, “olha que passador é esta tipa”. E, porque apesar do orgulho cego nas suas filhas, cego era só o orgulho e não os olhos, foi-se apercebendo que havia um talento inesperado proveniente do seu próprio tecto. Cindy revelava-se uma potencial jogadora para a equipa A.
Faltava só o treino final. Aquele que decidiria tudo. A expectativa aumentava lá em casa. Só havia 8 rapazes e 8 raparigas para 6 lugares, e as 3 jovens estavam no lote. E Cindy, sob olhares isentos, parecia ter o lugar quase assegurado. Havia que agir depressa, pensava a madrasta, não fosse uma das suas meninas perder a carruagem que tanto trabalho tinha dado a conquistar.
No dia do treino de todas as decisões, congeminado que fora o seu plano, deixou estrategicamente colocadas debaixo da mesa da cozinha as botas de jogo de Cindy. Tinha-a convencido a deixar as botas com ela, para as escovar e irem aprimoradas para o grande treino. Simultaneamente, deixou uma molheira em cima da mesa, precisamente em cima de onde estavam as botas. Por amor às suas filhas, serrou as asas à molheira. Ao jantar, a poucas horas do treino, pediu à pobre rapariga para ir buscar o molho.
Asas na mão, molho no chão, botas empapadas, chão para limpar, botas impraticáveis, manas sem botas de reserva, a confiar na palavra das próprias, Cindy só tinha aquelas, treinador não aceita material com mau aspecto, diz a madrasta, não vais poder ir, até porque tens de limpar essa porcaria que fizeste, adianta, e diz o pai que não há problema, que para o ano há mais, mas Cindy não aceita o triste fado e chora, como antes chorava e já disso se deixara, e vai para o seu quarto regar de lágrimas o pouco espaço que a sua condição de enteada lhe reservava.
Mal sabia ela que estava dentro de uma história infantil, daquelas que se diz serem de encantar, pois de tantos encantos se preenchem. E nas histórias de encantar só há lágrimas quando servem de advento ao encantamento de as enxaguar. E há fadas. E são as fadas que quase sempre encantam mundos e vidas, apagam tristezas e secam lacrimosas fontes. Pois assim foi, como o leitor já decerto adivinhara, porque antes deste Avô alguém tinha já escrito uma Cinderela, sem Corfebol mas com a vantagem de ser a original. Pobre Avô, que vive de cópias imperfeitas do que outros já escreveram! E mesmo que salpicadas da holandesa modalidade, não passam de cópias, réplicas, qualisignos icónicos remáticos, ou outros ismos de que nem Charles Peirce se lembraria.
A Fada, que merece uma maiúscula no início do nome, surpreendeu Cindy no quarto, em pleno choro. Já a tinha surpreendido outras vezes, noutras circunstâncias. Se eu fosse um Avô ordinário até contaria daquela vez que a surpreendeu de mão entre as pernas a olhar para umas fotos duma revista pouco digna, com homens despidos. Mas como não sou, nem vou referir tal coisa. Esta foi, porém, a primeira vez que se dirigiu à sua protegida. Era uma Fada inexperiente e gostava primeiro de observar e só em último caso intervir.
O primeiro contacto foi um bocado nonsense. Quem és? Sou a tua Fada madrinha. Yá!, fixe, só me faltava uma fada gozona, eu cá só tenho é um Fardo Madrasta, ‘tás a ver? Acredita em mim, eu posso cumprir os teus sonhos e desejos; Podes, podes, é isso e xarope p’rá tosse... Enfim, ganhar a confiança de uma adolescente traumatizada é sempre complicado, mesmo para uma Fada. Mas lá se entenderam e, de nariz torcido mas com esperança no fundinho da alma, Cindy lá ouviu o que a Fada tinha para lhe dizer. O golpe final foi quando se desculpou dizendo que tinha de ir à cozinha limpar a trampa que tinha feito e a Fada lhe disse que não se preocupasse porque já o tinha feito por ela. Não habituada a que alguém fizesse o que quer que fosse em seu lugar, a jovem deixou o gelo derreter e a empatia instalou-se.
A coisa era simples. Lá estavam umas botas novas, a brilhar, uma t-shirt limpinha, uns calções reluzentes. Lá fora, uma abóbora tornava-se um carro rápido o suficiente para colmatar o atraso com que já estava para o treino, dois ratos fariam de motoristas, o cão ficava o amigo que vai para a bancada dar apoio moral (boas notícias, portanto). Mas havia um senão: Nunca seria Cindy a aparecer; a sua figura seria deformada e ninguém a reconheceria (más notícias, agora).
Porquê, questionava-se, assustada, a nossa protagonista. Mas não aguardava resposta, que nisto das histórias fantásticas não há lógica para ninguém, ainda mais quando mete fadas. De qualquer forma, nem tudo era mau. Ela poderia aparecer ao treino que, por estar envolta num encantamento, ninguém questionaria a sua presença lá. Seria tratada como se pertencesse ao clube e estivesse seleccionada para aquele treino final (sim senhor, uma boa notícia).
Portanto, à primeira vista, ir ou não ir era precisamente as mesma coisa. Poderia ser a melhor no treino e nunca seria seleccionada, porque ninguém saberia que era a Cindy aquela misteriosa personagem, e isso era mau. Mas, com o seu espírito bom e desportista, Cindy sentiu a centelha da felicidade ao lembrar-se que apenas quereria participar, dar o seu melhor e, se ficasse ficava se não ficasse paciência, e isso era bom.
Para terminar este Ping-Pong de boas e más notícias, faltava o remate final, que era desagradável. É que o treino era das nove e meia às onze e meia da noite e à meia noite em ponto todos os encantamentos se desfariam – o carro era de novo abóbora, os motoristas (que iriam como pais) ficavam tão roedores quanto antes, o amigo de bancada viraria de novo rafeiro. As roupas (botas, calção, t-shirt), simplesmente desapareceriam, revelando Cindy como veio ao mundo, embora agora com formas e pilosidades mais salientes. E diga-se que esta jovem rapariga já estava bem diferente daquilo que era quando ao mundo assomou, para bem dos jovens rapazes que o olho ou a mão lhe deitassem.
Aceites as regras do jogo, lá seguiram para a Catedral de todas as expectativas. Á pressa, ou nem com carro de encantamento lá chegariam a horas.
O treino decorreu maravilhosamente para a nossa orfã. Foi de longe a melhor entre as quatro linhas. O treinador olhava-a já com a esperança de ter ali o garante de uma temporada com sucesso, embora lutasse com o seu cérebro para tentar perceber quem era ela e qual o seu papel naquela equipa. Quanto a raparigas, não teve dúvidas. Mesmo que pudessem ser boas jogadoras, as gémeas tinham um efeito negativo sobre o grupo e não as queria na equipa. Quanto a rapazes, teve dúvidas em escolher o 6º e prolongou o treino até conseguir descortinar aquele pequeno clique que lhe permitisse fazer a escolha definitiva.
Cindy nem reparou que o treino estava a prolongar-se, tal era a satisfação de ali estar a dar o seu melhor. Nem sequer quando o cão começou a agitar-se, saltando na bancada, acenando, chamando o seu nome. Pensou que era da satisfação de, por uns instantes aquele cão ser homem. Pensou que seria para aproveitar ao máximo o uso de mãos, de voz, de direito a saltar numa bancada.
E o mesmo tipo de pensamentos lhe acorreu quando, lá de fora, do carro, começou a ouvir apitar. Seriam os ratos a gozar o momento, a rara oportunidade que tinham de se sentar num carro e apitar. Talvez até a abóbora estivesse satisfeita de produzir ruído, de transportar ratos e cão e garina. Afinal, na cabeça de Cindy, todos estavam contentes e ela sorria, sem perceber que a meia noite se aproximava ameaçadoramente.
Poucos minutos antes da fatídica hora, o treino terminou. O treinador deu os parabéns a todos e anunciou os escolhidos, perante a cólera da mãe duplamente humilhada, que saiu arrastando os pés e as chorosas filhas, enquanto declamava insultos e ameaças em direcção ao responsável pela selecção de talentos.
Dispersado o grupo, uns mais contentes que os outros, o treinador pediu a Cindy que ficasse um pouco mais, para falar em privado com ela. Cindy aceitou, mas estava já a caminho do duche e pediu para falar só depois do reconfortante banho, ao que o mister anuiu.
Esta conversa atrasou-a em relação às outras, que tomaram os seus duches a correr, com pressa de saltarem para os braços da família e receber em mimos os parabéns pela escolha, ou então, se fosse o caso, de saltarem para os braços do namorados e receber em ainda mais intensos mimos os parabéns pela mesma escolha. Estava nos finalmentes do enxaguamento quando o velho funcionário do pavilhão já resmungava que era a última, que se despachasse, que já passava da meia noite e tinha de ir para casa, que os velhos também têm vida, mesmo quando são responsáveis por pavilhões desportivos.
Qual gongo ressoante, quais doze badaladas repicantes, da frase do velho senhor só a fracção “meia-noite” lhe ficou a ressoar, entre o tímpano e o hipotálamo. Meia Noite! Meia Noite!... O mundo desabou na sua cabeça. Que tola tinha sido em esquecer-se do dead line. E agora? As roupas, depressa, tenho de sair daqui. Quais roupas? Desapareceu tudo! Tudo! E agora?... E o simpático treinador lá fora à minha espera. O que fazer? Triste existência é esta de uma orfã que substitui os antidepressivos e outras drogas por uma Fada de ficção que a deixa nua num balneário com um velho impaciente do outro lado da porta. Foda-se!, gritou bem alto, para compensar as inúmeras vezes que essa palavra lhe tinha quase saído e por decoro nunca tinha dito.
O velho e o treinador não ouviram. Estavam entretidos a enxotar um cão que tinha aparecido misteriosamente na bancada. Lá fora, dois ratos roíam a casca de uma abóbora.
Cindy saiu pela pequena janela do balneário e, enrolada em si mesma, tapando-se a si consigo própria, esgueirou-se por entre sebes e contentores até chegar a casa, pés doridos, alma em alvoroço. Alvoroço era o que também dominava lá em casa, com a gritaria das despeitadas jovens e da furiosa mãe. O pai de Cindy, encolhido, nem respondia, nem opinava, ficava a fingir que ouvia e concordava, submisso, medroso de contrariar a fúria feminina no seu mais exaltado esplendor. Foi fácil à pequena extraviada entrar em casa, subir ao quarto, deitar-se como se nada tivesse acontecido. Afinal de contas, ninguém tinha dado pela sua falta.
Passou a noite em branco, a pensar nas emoções que vivera, e não foi a única. O treinador da equipa A, jovem promessa nestas coisas do treino, também não conseguiu dormir. Quem seria aquela misteriosa jogadora que tinha desaparecido sem deixar sinal? Que jogadora! Que linda era! Não se lembrava da sua cara, mas tinha a certeza de sentir que era linda. Estranha sensação, estranhas emoções lhe despertavam aquela jovem. Tinha de saber quem era.
E sabia como o fazer. Rapaz virado mais para as aventuras do que para os romances infantis cor de rosa, era mais dado a ler o Robin dos Bosques do que a Cinderela. Para mais, a rapariga não tinha deixado uma bota para trás (e convenhamos que uma bota suada não tem o glamour de um sapato de cristal). Então, iluminado pela leitura do arrojado herói de Sherwood, organizou um torneio de lançamentos. A misteriosa rapariga lançava como ninguém. Mesmo que viesse de novo envolta naquela estranha aura de irreconhecibilidade, o seu lançamento iria revelá-la.
Só que as coisas estavam agrestes para o lado da casa de Cindy. Depois de tentar em vão puxar cordelinhos para demitir o treinador por incapacidade, a madrasta proibiu as filhas de voltar a jogar. Proibiu que se voltasse a falar de Corfebol naquela casa. Cindy nem ousava pensar em voltar a treinar e apenas sabia o que se ia passando através da Internet.
Foi, aliás, pela Net que soube do torneio de lançamentos. E a sua vontade de participar foi tanta que agitou o coração da Fada. Vocês, leitores incautos e jovens, não sabem como é que isto funciona, por isso eu explico. É que eu sou um Avô tão velhinho que ainda venho do tempo em que as fadas andavam aí por todo o lado e iam explicando os segredos encantados. Hoje, se quisermos aprender alguma coisa com os seres estranhos que circulam connosco nas ruas, pode ser que aprendamos algumas palavras em ucraniano.
Bom, mas eu ia explicar a cena. Então é assim: as nossas emoções libertam ondas, odores e vibrações. Cada emoção tem o seu próprio código, só perceptível pelas fadas. A fada, lá onde estiver, recebe primeiro as ondas, que são suaves e atingem principalmente as fadas mais experientes. Depois vem o odor da emoção, que se entranha pelo nariz e é mais perceptível, até pelas fadas novatas. As vibrações são como as ondas, mas mais fortes. Tão fortes que às vezes até as pessoas as sentem. Servem, no mundo das fadas, para acordar aquelas que estejam a dormir e não tenham acordado com os dois primeiros sinais.
Pois a nossa Fada só reagiu ao terceiro sinal. Não porque estivesse a dormir, mas porque tinha ficado zangada com a Cindy por causa da sua imprudência. Hesitou, mas as vibrações eram tão fortes que agitaram bem agitado o seu coração de fada.
Conversaram a chegaram a acordo. Iriam usar o mesmo encantamento, desta vez sem cão (que tinha sido internado num hospício para cães por ter a mania que era homem) nem ratos (que tinham sofrido uma intoxicação alimentar por terem comido uma abóbora com vestígios de gasóleo) nem abóbora (que tinha sido devorada pelos ratos). Mantinha-se a questão da roupa e ao meio-dia, porque o torneio era de manhã, o encantamento acabava. Cindy prometeu que desta vez não iria facilitar. Que antes das onze e meia iria embora, desse por onde desse.
A Fada era um bocado forreta e só tinha a primeira ficha do livro de magias e encantamentos que vinha semanalmente num jornal de grande tiragem. É que o primeiro fascículo era gratuito e os outros tinham de se pagar. Esse primeiro fascículo era, precisamente, sobre esta coisa dos encantamentos que acabam a uma hora determinada, etc., e por isso é que recorria sempre ao mesmo truque.
Tal como Robin dos Bosques, Cindy foi soberba no torneio. Tal como Robin, Cindy venceu. Tal como Robin, Cindy foi descoberta. Mas o treinador era mais astuto que o Xerife de Nottingham (e estava protegido pelo facto de não ser o vilão da história, claro) e, temendo que aquela que cada vez mais se insinuava ao seu coração desaparecesse de novo, pediu a todos que fizessem um círculo em torno da vencedora, enquanto a aplaudiam.
Assustada, Cindy tentou fugir, olhando para o relógio onde os dois ponteiros quase se encontravam. Nada feito. Com uma intenção simpática, de puros admiradores da habilidade da jovem (que ninguém percebia quem era, mas que também não interessava), ninguém arredava pé e iam aplaudindo. O treinador foi buscar o troféu e entrou no círculo para o entregar à formosa rapariga.
Meio dia.
Troféu no chão, queixos no chão, Cindy mais vermelha que o Simão Sabrosa, silêncio, constrangimentos, Cindy mais exposta que a Mady Tims, basbaques os homens, invejosas as mulheres, Cindy mais observada que João Paulo II após a morte.

quinta-feira, abril 07, 2005

Branca de Neve

Eugénia Rainha (se calhar era da família do Castro) era a melhor jogadora de Corfebol do Mundo. Os seus rendimentos de atleta profissional permitiam-lhe viver num palácio sumptuoso, rodeada de luxo e lacaios.
Como prémio de melhor jogadora num torneio organizado pela Hansa das Feiticeiras, recebeu um dia um espelho mágico que respondia sempre à mesma pergunta – “Espelho, espelho meu, existe alguma jogadora melhor do que eu?” – com a mesma resposta – “Não. Tu és a melhor jogadora do Mundo”.
O palácio estava cheio de referências ao Corfebol. Entre troféus e fotografias emolduradas, em todo o lado se podiam encontrar bolas e cestos. Os empregados, impelidos por tanta solicitação, jogavam amiúde entre si, cada vez que tinham uma pausa no trabalho – fosse ela concedida pela patroa ou conquistada com um estalar de Kit-Kat.
Branca trabalhava para Eugénia Rainha (a quem passaremos a chamar só Rainha para facilitar a nossa vida e a vossa) e, entre os colegas, ganhou o gosto de mandar bolas ao cesto. Tornou-se até um vício.
Cedo se percebeu que estava ali uma jogadora com potencial. Um dos camareiros, que tinha sido treinador quando era mais novo, encarregou-se de a treinar e motivar para se inscrever num clube e jogar aos fins de semana.
Assim foi e, para abreviar a história, chegamos a um ponto em que Branca jogava já nas competições regulares e bolas! como ela era boa!
Devido ao seu estatuto de estrela, Rainha só jogava no final da época, em jogos decisivos, ou então em competições internacionais. Ausente dos campos, nunca tinha visto Branca jogar no dia em que o espelho a surpreendeu.
Claro que vocês já sabem o que é que se vai passar agora. bláblá a Rainha perguntou ao espelho bláblá e o espelho desta vez não deu a resposta do costume bláblá porque há sim, alguém que joga melhor que a Rainha, bláblá a Rainha fica furibunda taltal...
Sabendo que a usurpadora trabalhava para si, ao abrigo do novo Código da Trabalho, transferiu-a para a sua casa de campo, onde raramente ia. Era uma casa que tinha sido pensada para esquecer o Corfebol por completo, caso alguma vez sentisse essa necessidade. Não se falava em Corfebol num raio de muitos quilómetros em volta. Era o sítio ideal para pôr Branca a trabalhar!
Com pena dela, os colegas, sem que a Rainha percebesse, deram-lhe como prenda de despedida um livro de regras e o livro de introdução à modalidade escrito pelo triunvirato de notáveis Granja-Ramos-Ferro.
Passou alguns meses de puro tédio, sem trabalho, porque a casa não era utilizada, e sem Corfebol. Era como aqueles quadros de empresas públicas que são colocados na prateleira até darem em doidos e rescindirem sem direito a indemnização.
Um dia, passaram-lhe à porta 7 homens baixinhos, cabisbaixos, tristes porque vinham de um treino de captação de Basquete e, mais uma vez!, não os tinham deixado ficar na equipa por causa do défice de altura. Branca, inteirada da razão de tal desânimo, ofereceu-lhes um chá e mostrou-lhes os livros que tinha sobre Corfebol.
Os homenzinhos acharam piada e resolveram experimentar. Montaram um cesto improvisado no quintal da casa e compraram uma bola de futebol. Passaram a treinar regularmente e o entusiasmo com a modalidade foi crescendo.
A certa altura, já dominadores dos preceitos básicos do Corfebol, resolveram inscrever-se nas competições. Nunca tinha havido uma equipa de tal desporto naquela região, mas a novidade até foi boa quando chegou o momento de pedir apoios.
3 dos homenzinhos foram à Corporación Dermoestética e fizeram uma operação para mudar de sexo. Assim estava certo: 4+4.
Começaram a jogar. E a ganhar. E a Branca era de novo a melhor. E o espelho, que é como o algodão, não engana. E a Rainha furibundizou-se outra vez. Ainda por cima, vinha aí o Campeonato do Mundo, que até se ia realizar no pavilhão privativo do seu palácio, e não haveria outra qualquer a fazer-lhe sombra na Selecção.
Mas desta vez resolveu tratar do assunto pessoalmente. Aproveitando um jogo em que a equipa da Branca ia jogar com a sua, foi jogar com um intuito perverso. Sem ninguém se aperceber, trocou-lhe a garrafa de Isostar por outra com líquido dopante. Como tinha boas relações na Federação, pediu um controlo surpresa e a Branca foi irradiada de toda a competição.
Triste, desanimada, incrédula com tudo o que se tinha passado, voltou para a casa de campo com os anões e as anonas (uma anã é o feminino de anão, eu sei, mas estas eram transexuais, por isso posso chamá-las anonas, ok?).
Despejava uma garrafa de gin ao pequeno almoço; esgotou o stock de ervinhas para rir que tinha trazido por brincadeira numa das viagens que fez à Holanda; parecia uma chaminé, tal era o fumo que ingeria e expelia, cigarro após cigarro, e tal era a negritude do seu corpo, sem sentir água limpa durante meses a fio. Quanto mais se aproximava a data do Mundial, mais deprimida se sentia, e ali ficava, zombie, a olhar a estrada que passava defronte da casa de campo.
Até que essa mesma estrada, a mesma que tinha mudado a sua vida quando encontrou os anões, foi responsável por uma segunda viragem na sua vida. Num Mercedes branco, um homem estrangeiro, nitidamente bem posto na vida, parou a perguntar o caminho para a fronteira.
Era o Presidente de uma Federação estrangeira, que tinha abandonado o Mundial ainda antes de começar por se sentir mal tratado pelo Comité Organizador, presidido pela Rainha. Esta, apesar de jogadora, tinha centrado em si toda a organização do Mundial e menosprezava a presença de delegações estrangeiras. Vários incidentes levaram a que aquele Presidente tivesse retirado a sua Selecção da competição e agora voltava para casa, onde ia redigir uma exposição à IKF.
Como em todos os contos de fadas, e apesar do aspecto fétido da Branca, apaixonaram-se à primeira vista. Branca contou a sua história ao Presidente e este convidou-a a seguir consigo para o seu País, onde a irradiação não tinha efeito. Montados no Mercedes branco seguiram estrada fora (a tal que muda vidas... sentem o peso simbólico desta metáfora? Quase que choro de pensar na cena... Será que alguém adapta isto para o Cinema?).
Casaram-se, claro, e Branca voltou a jogar. Voltou a ser a melhor do Mundo. A Rainha partiu o espelho e lesionou-se com recuperação prevista para 7 anos.

sexta-feira, abril 01, 2005

Taco!

Fizeram o que vos pedi? Abriram as janelas à brisa refrescantemente quente do Ahoy? Inalaram os vapores do Corfebol no seu mais elevado explendor?... Inspiraram-se?
Pois bem, trago uma notícia que ainda é melhor que respirar ares da excelência no Corfebol. Portugal não precisa de esticar o nariz para a Holanda, porque uma parte (significativa) do fresco odor vem para o nosso País.
Pois é, muitos já o sabiam (e, desta vez, fui dos últimos a saber). O Taco Poelstra, talvez o melhor jogador mundial dos últimos anos, vem jogar para Portugal.
Depois de abandonar a Selecção Holandesa, no último Mundial, aceitou um destacamento que a sua empresa lhe propôs (qualquer coisa ligada aos investimentos imobiliários) e vem trabalhar para a Grande Lisboa.
Contactado por uma velha raposa nacional, que anda sempre à caça de uma oportunidade destas, já quase tem "contrato assinado" com um dos clubes dos Top Four português.
Não vou já divulgar o clube, apesar de isso já andar nas bocas do mundo, porque acho que só o devo fazer quando for definitivo. Aliás, prometi-o a um dirigente do clube em questão.
É um passo em frente para enchermos pavilhões. Vai ser excelente para a promoção da modalidade.