É ao cair do pano sobre a peça que se deve sobre ela elaborar uma crítica de teatro.
Assim o farei sobre a presença lusa nos Olímpicos deste ano. Apenas após o final.
O Sr. Presidente
Não o fez o Presidente do COP. Vicente Moura resolveu fazer um balanço precoce sobre a participação da comitiva portuguesa, denotando um desrespeito indesculpável pelos atletas (que ainda eram bastantes, mas nem que fosse um só) que ainda não tinham feito a sua saída de cena.
Com isso, e porque o Nelson Évora até nos deu a suprema alegria, entrou-se no “Vicente vai, Vicente fica”, que lhe retira credibilidade e ditará, quase aposto, a ausência de uma recandidatura do Comandante.
Credibilidade que já tinha pouca depois de saltar para a opinião pública o contrato que fez com o Governo, trocando verbas por medalhas e pontos. Considero absurda promessa de resultados desportivos neste tipo de contratualização e, pelos vistos, foi um absurdo baseado em perspectivas irreais. É que, mesmo tendo obtido um resultado global bem acima da média, Portugal ficou a menos de metade das medalhas (2 para 4/5) e dos pontos (28 para 60) prometidos.
José Vicente Moura é, para mim, o grande derrotado nacional destes Jogos.
As Expectativas
Um dos grandes problemas de toda a confusão que se instalou quanto ao exigir de resultados, foi o identificar de patamares racionais de expectativas.
A maioria dos portugueses só identificou favoritos e candidatos quando a comunicação social no-los meteu à frente. Engolimos tudo como nos disseram, porque não fazemos a mais pálida ideia do que os nossos representantes valem. Como é que havíamos de fazer? Alguém viu alguma prova destes atletas (salvo raras excepções) durante os últimos quatro anos? É mais fácil esperar que os jornalistas nos digam quem é que vai competir para o Ouro, para as finais, para as meias-finais, ou só para participar. O problema é que essa análise teve falhas.
Primeiro, porque há uma necessidade tuguesinha de termos heróis. Se fulano ganhou um mundial em 2006, é o melhor do mundo, mesmo que tenha havido mundiais em 2007 e 2008 com outros campeões. Não sabemos o real valor de cada prova; o que interessa é realçar os êxitos dos nossos atletas, mesmo que esses sucessos não representem tanto como aparentam. É como ganhar uma 1ª Divisão e sermos heróis, esquecendo o povo ignorante que há uma Divisão de Elite, onde estão os melhores (por exemplo).
Com a Vanessa Fernandes passou-se algo de género. Andou por aí a limpar provas da Taça do Mundo, foi Campeão do Mundo, é uma heroína nacional. Digo “é”, porque será sempre. Mas andámos a ser enganados este tempo todo. Não lhe retiro o mérito, como é óbvio, mas houve um pormenorzinho que os jornalistas teimaram em não nos contar. É que não basta ganhar quase tudo para ser a melhor do mundo. Para isso contribuiu também a opção estratégica de algumas adversárias (nomeadamente as australianas) em não participar na maioria dessas provas. É nestes casos que se pode dizer que ganhar 20 Taças do Mundo não é necessariamente ser a melhor de todas.
Com o João Costa talvez se possa contar uma história igual. Confesso que não sei, mas acredito que sim. O tiro não exige confrontos ao mais alto nível para uma preparação conveniente. Pelo menos, não tanto como outras modalidades desportivas. Então, a minha teoria é que muitos atiradores não participam nas provas pontuáveis para o ranking mundial, fazendo a sua preparação para os Olímpicos no recato das suas “casas”. Isto poderá justificar que um homem com o nº 1 no ranking fique em 33º na prova mais importante de todas. Ou isto, ou um verdadeiro descalabro.
Temos de observar que as expectativas geram apoio popular, geram envolvimento, geram audiências. Ainda para mais, quando o estatuto de herói está associado a uma marca comercial, que entra nas nossas casas a acompanhar estes heróis. Quanto mais deles se falar, mais essa marca se nos chapa nos olhos. Quanto mais heróis eles forem, mais sabemos que os hipermercados da Sonae existem. Assim, é importante identificar muitos medalháveis, impô-los aos portugueses antes da competição, aumentando as expectativas e, irremediavelmente, potenciando a frustração.
O Júri
Depois, com as expectativas no bolso, temos de julgar as prestações. E aqui vem a grande confusão gerada por uma sociedade moderna em que cada um fala do que quer quando quer. É como um velho Avô ter um blogue.
Os portugueses, que na sua esmagadora maioria só ligam a determinadas modalidades de 4 em 4 anos, não se abstiveram de comentar, de criticar, de condenar. Uns porque acham que há dinheiro a mais para o Desporto, outros porque dizem que há falta de verbas para o Desporto. E diz-se que quem não tem hipóteses de ganhar medalhas nem lá deve ir, mas também há quem tenha a lucidez de avisar que uma participação digna, mesmo que no último lugar, faz parte do espírito olímpico. Aproveita-se para crucificar tudo e todos, dos políticos aos atletas, passando pelos treinadores, os dirigentes e os jornalistas. E este tal Avô é tuga como os outros e também não deixa o direito em teclas alheias.
É claro que gostávamos que todos tivessem tido o sucesso do Nelson Évora. Ganhou. Mas nem todos podem ganhar. Há uma amplitude de resultados possíveis que faz com que o Desporto seja interessante.
A Naide teve um resultado péssimo, atendendo às suas capacidades. Foi um desaire. Faz chorar, claro, mas é Desporto. Os americanos, no mesmo dia, perderam duas provas de 4x100 porque deixaram cair os testemunhos. Tal como a Naide, também falharam as respectivas finais, contra todas as expectativas. A Blanka Vlasic tinha tudo para passear até ao Ouro e falhou. Os brasileiros passaram os primeiros dias a refilar com os seus judocas mais conceituados, que estavam todos a cair que nem tordos. Acontece. É Desporto! E ainda bem. Só assim podemos ver um canoísta do Togo a lutar pelo título olímpico no slalom.
Claro que é fácil olhar para um resultado e sacar algo de bom e algo de mau. Os críticos de dentes cerrados vão olhar para o mau; os anjinhos protectores irão buscar o bom.
O Nelson não bateu o record nacional. Para algum negativista muito corajoso isto podia ser motivo de crítica.
Os comentadores da televisão têm o grave problema de serem, normalmente, pessoas ligadas a cada modalidade. Faz sentido. Salvo em modalidades em que já temos jornalistas encartados pela via jornalística, é normal que se procurem dentro de cada desporto as pessoas que o vão comentar. Mas isso faz com que haja uma tendência positivista nos seus comentários. Os Jogos Olímpicos são uma janela aberta ao desenvolvimento da maioria das modalidades e criticar a presença olímpica dos seus atletas seria um tiro no pé.
Com isto, temos que a natação tenha sempre sucesso, Jogos após Jogos, mesmo que tenhamos apenas uma longínqua Final B por um Yokochi que nunca mais se repetiu. Porque há sempre alguém que bate um record nacional, porque há sempre alguém que ganha uma eliminatória. Neste Jogos, pediam-se muitos mais records nacionais, tendo em conta os fatos que nadam sozinhos e uma piscina especialíssima, onde quase toda a gente melhorou as suas marcas pessoais, ou nacionais, ou mesmo (e foram tantos!) mundiais.
E, na mesma onda, o meu amigo Virgílio do Nascimento (boa gente, e ex-treinador de um miúdo espectacular chamado Tiago Apolónia) foi comentando que a participação no Ténis de Mesa foi positiva, apesar de apenas um dos três participantes (actualmente todos profissionais na Alemanha) ter ganho uma eliminatória.
As modalidades em que Portugal é mais fraco hão de estar sempre nos Jogos (e ainda bem!) com o intuito de participar, de ganhar experiência, de se auto promoverem, sempre à espreita de um talento que possa surgir numa manhã de nevoeiro. Não vale a pena é andarem sempre a pintar a manta de outra cor, como aqueles que, de quatro em quatro anos, nos dizem “daqui a quatro anos é que vai ser”.
As Desculpas
O Judo desiludiu-me particularmente nestes Jogos. Não tanto pelos resultados, embora também por aí, mas mais pelas declarações que foram sendo feitas. A favorita Telma não pode esconder o desaire atrás da desculpa mais batida de sempre, que são os árbitros, nem na desculpa mais original de que todas se andaram a treinar a pensar em derrotá-la. Se assim foi, então é porque ela é mesmo boa, o que ainda lhe daria mais responsabilidade. Humildade, amiga, não te fazia falta.
Mas ainda houve o treinador que se queixou das recepções e cerimónias a que sujeitaram os atletas, coitadinhos. Pena só se ter lembrado disso no fim, depois da derrota. Se calhar, como treinador, podia ter pedido que o atleta fosse dispensado de algumas actividades extra desportivas. Será que o fez?
No judo, nem tudo foram declarações para justificar derrotas. Após vencer o campeão mundial João Derly, Pedro Dias disse que o humilhou (expressão pouco digna nuns Jogos Olímpicos) para vingar o facto de o brasileiro lhe ter roubado a namorada. É muito original. Talvez o COP pense nisso e insira nos projectos olímpicos umas namoradas de aluguer que depois traiam os atletas portugueses com os seus mais directos adversários, para que tenhamos mais sucesso no futuro.
Voltando às desculpas, ainda tivemos os atletas que baqueiam face à monumentalidade, da mesma forma que os cavalos baqueiam face aos ecrãs gigantes.
E são inevitáveis as queixas ao sistema, aos apoios, à falta de condições de treino. Claro. Muitas destas têm toda a razão de ser. Só que não deveriam ser sequência de maus resultados. As queixas deveriam ser feitas antes, nunca com o papel de desculpas, pois essas caem em sacos mais rotos que os do costume.
Tal como as queixas não devem ser deixadas para depois dos fracassos, também algumas declarações caem mal após os sucessos. Não gostei de ouvir a Vanessa criticar alguns colegas de comitiva na sequência da sua medalha. Fica-lhe mal. Criticar, tudo bem, mas não aproveitar-se de uma situação de empolgamento para o fazer. Era a única medalha nacional no momento e pareceu que dizia “empenhem-se como eu e podem vir a ter uma destas ao vosso pescoço”. Não gostei.
Estou sempre a atirar pedras aos jornalistas e, neste ponto, vou atirar mais um cascalhito. Muitas das declarações que os atletas fazem são arrancadas a ferros. Quem acaba uma prova e apanha com microfones na cara, sem ter muito para dizer, acaba por dizer disparates ou coisas sem interesse. Isso vê-se muito no futebol. “Estou contente com o golo que marquei mas o que interessa é a equipa”, por exemplo… ainda alguém tem pachorra? Mas o que é que o pobre homem pode dizer de interessante? Nos Jogos é igual, com a agravante de serem atletas pouco habituados ao protagonismo. Se acabo uma maratona entre o 20º e o 30º, sendo essa a minha posição em termos de ranking, e me perguntam o que é que achei da minha prova, querem que eu diga o quê?... terei de usar um chavão tipo “o importante é participar nesta grande festa e ter acabado a prova”. Depois critiquem a minha falta de ambição, se quiserem.
De qualquer forma, contentemo-nos, no meio de tanta incontinência verbal, por não termos tido um atleta como o cubano que deu um pontapé na carola de um árbitro.
De Bobo a Bode
Faço destaque para as declarações mais polémicas da comitiva lusa. Marco Fortes foi o bode expiatório de um momento mau que se estava a passar antes de cheirarmos finalmente as medalhas.
Acho vergonhosa a forma como trataram o homem. A opinião pública crucificou-o e os senhores dirigentes foram atrás, para safarem a própria face. Expulsá-lo da Aldeia Olímpica (mesmo que a expulsão tenha sido um convite a sair ou uma recusa de prolongamento da estadia) é reles, cobarde e injusto.
Dias antes das tristemente célebres declarações da “caminha”, um tal de Marco Fortes que ninguém conhecia era motivo de uma reportagem na televisão em que era dado como o grande animador da comitiva portuguesa. Dizia-se qualquer coisa como “pode não ser um candidato às medalhas mas já conquistou o título de atleta mais bem-disposto entre os portugueses”. Fortes era apresentado como um jovem alegre, sempre com declarações divertidas acerca de tudo e todos, um verdadeiro animador. Ficou registada a sua declaração em relação aos adversários, “Eles podem ser grandes mas não são Fortes!”.
Tal como não achei grande piada às graçolas que ele disse nessa reportagem, também não achei às que fez depois da prova. Mas, tal como percebi as primeiras, enquadrei as segundas. Tenho muita pena que a comunicação social, a opinião pública e, por arrasto, os dirigentes do COP, não tenham visto o mesmo. Tudo tem um contexto. Não se deixem levar pela crítica fácil! Era mais fácil bater num pobre lançador do peso que se escondeu numa piadola (mesmo que sem graça) do que noutros mais conceituados que se esconderam nos árbitros ou na Santa Providência.
Pois é, mas de Bobo da Corte a Bode Expiatório, foi um flash.
O Ausente
Pois, para mim, o atleta a quem tenho mais tendência para apontar o dedo é o Sérgio Paulinho. Não engulo. Aliás, é difícil engolir sem esforço qualquer história que tenha como ingredientes “ciclismo” e “medicação”. O homem (e o seu treinador, e a sua federação) está há quatro anos a receber dinheiro do COP para se preparar para os Jogos e é em cima da hora que se lembra que é asmático e que há pólenes na China. Medicou-se com algo que é permitido pela UCI e não pelo COI. Então e não há mais ciclistas asmáticos que foram aos Jogos? Então e quatro anos não eram suficiente para lhe ser administrada uma medicação correcta e permitida?
Não engulo. Nem eu, nem muita gente, incluindo, segundo me constou, o próprio Comité de Atletas Olímpicos, que aguarda explicações.
Se há dinheiro mandado à rua no projecto olímpico, este ciclista é a cara dele.
Os Dinheiros
As bolsas atribuídas aos atletas são, vê-se pelo caso do Paulinho, uma injustiça.
Injustiça de ter bolsas pelos resultados frios e crus e não pelas reais possibilidades que os atletas irão ter quatro anos depois. Obikwelu ou Paulinho tiveram uma medalha em 2004, é verdade, mas, um pela idade, outro porque a sorte não cai duas vezes no mesmo sítio, não eram evidentes medalháveis em 2008. Remuneração por resultados obtidos e não por resultados potenciais não se deviam chamar bolsas mas sim prémios.
O mais giro é o moço do taekwondo receber uma bolsa de finalista apesar de ter tido duas derrotas em dois combates e o Emanuel Silva, por exemplo, que falhou a final por 35 milésimos de segundo, não ter esse direito. E o Póvoa dos pontapés fica nivelado com o Gustavo Lima, que falhou o bronze por um mísero ponto.
Ah, e já agora, o Vicente Moura ganha 2500 euros mensais, o dobro do máximo que é atribuído aos atletas.
Orgulho Nacional
Os portugueses devem, apesar de todas as frustrações, estar orgulhosos da presença do nosso País nestes Jogos.
A canoagem não foi dominada por alemães, nem húngaros, mas sim por tugas! Nelos! Se o Nelo fosse um país tinha ganho as medalhas (quase) todas. O meu sentimento vermelho-verde exaltou-se a cada corrida, vendo o logo do Nelo a avançar a cada pagaiada, em quase todas as embarcações presentes.
E os fatos Speedo, que tornaram obsoletos os “pele-de-tubarão” e ganharam tudo o que foram medalhas (acho eu…)? Tugas! Sim, feitos em Portugal! Somos os reis da tecnologia subaquática.
O Manuel Pinho partilhou uma piscina com Michael Phelps, já com as oito bolachas douradas a reluzir no peito. Não foi o Laurentino Dias, foi o Manuel Pinho. Isto tem mais significado do que aparenta. Os jamaicanos dominam a velocidade, mas nós dominamos a economia. Ou, pelo menos, fazemos por fazer parecer que talvez a dominemos.
A Televisão
Para cascar mais um bocadinho na comunicação social…
O Nelson saltava para o Ouro. Os chineses preferiam mostrar, do Ninho de Pássaro para o Mundo, os 400 metros do Decatlo. Na Antena 1, para sorte minha, o jornalista relatava em directo os saltos que não estavam a ser transmitidos em directo pela televisão. Mas na RTP (curiosamente do mesmo grupo), o salto do Ouro foi relatado só quando os chineses mostraram a repetição. Eu já sabia; a maioria das pessoas não. O comentador da RTP vibrou como se não soubesse. Se calhar não sabia. Fiquei com dúvidas se estaria no Estádio, o que é grave.
E este é só o exemplo mais emblemático dos comentários que foram, em diversas modalidades, feitos a olhar pelo ecran e não in loco.
Alguém ouviu a tipa da rítmica? A rapariga drunfa-se, de certeza. Tinha reacções orgásticas a tudo, desde os fatos aos movimentos, desde as pontuações às reacções. Espectáculo! E o das águas bravas, que começava qualquer frase com um “e aqui” ou, para variar, “e ali”.
Tivemos, a certa altura, dois canais da RTP a dar Volta a Portugal a tarde toda (entre a prova e o folclore), em plenos Jogos Olímpicos, que só acontecem de 4 em 4 anos.
Mas, em contrapartida, fizeram directo para a única vez que o hino nacional soou em Pequim. É assim que se educa desportivamente um país - privam-nos de ver modalidades que já estamos habituados a ver só de quatro em quatro anos mas depois mostram (e exaltam, se interessar) o resultado final.
Os jornais desportivos não fizeram capas com os Jogos. O Aimar e o Reyes continuam a ser mais importantes que o Évora, ou os próprios Jogos em si. Pena o futebol não ter ido aios Jogos, apesar de terem mais meios que quaisquer outros, apesar de terem mais apoio que quaisquer outros, apesar de termos os melhores jogadores e as melhores escolas de jogadores da Terra e arredores.
Acabada essa seca que é o mais importante evento desportivo em todo o Mundo, voltamos agora ao futebol caseirinho, de que saberemos tudo em pormenor. Aleluia!